01 agosto, 2011

A verdade da mentira


Sobe ao ramo mais alto da árvore e fica lá, do cimo, a olha-lo.
A distância permite-lhe apenas reconhecer os seus contornos, a forma de balançar o corpo quando caminha, o rasgar dos olhos quando sorri.
Ela sabe que o sorriso não é para ela, já não é para ela, mas ainda assim, do alto da árvore devolve-lhe o sorriso que lhe preenche por instantes a alma e aquece-a do frio que lhe percorre o corpo, desabrigado lá em cima.
Recosta-se e fica a vê-lo, ao longe. Abandona-se a imaginar tudo o que poderia acontecer se ela estivesse lá com ele, do outro lado do mundo.
A imaginação perde-se na sua boca carnuda que, entre risos, diz as coisas mais descabidas «vamos fugir os dois?» parece que ainda o ouve sussurrar, de voz aveludada, ao ouvido.
Os braços compridos acompanham desajeitados o seu corpo, que parece que dança em vez de andar. «És louco, sabias?» repetia-lhe empurrando-o. Ele agarrava-lhe as pernas para a por às costas e acabavam invariavelmente os dois no chão caídos. Despojados como um sem-abrigo.
Levanta um pouco as costas doridas de um ramo mais áspero. Vê-o a entrar na sua casa, acender a luz do quarto e imagina-o a atirar o corpo embriagado para cima da cama. Fica assim, atravessado ao comprido. Aconchega-se a uma ramagem de folhas e imagina-se a acordar a seu lado: a guerra de almofadas, a luta pelo chuveiro, a batalha de espuma no duche, o duelo de pasta de dentes que se transforma em creme de rosto. E ria-se sozinha do alto da sua árvore. Ria-se, para depois chorar baixinho.
Naquele momento já não o conseguia ver, lamentava num vazio imenso, amanhã tentava novamente. Mas tinha a sensação de que ele cada vez estava mais longe. Ou talvez saísse à rua menos vezes. Não sabia. Ainda assim, todos os dias subia ao alto da árvore para o espreitar um pouco, depois respirava fundo quando o via desaparecer, e regressava para o seu mundo. Descia devagar, cada ramo da árvore, como se fosse o caminho mais íngreme. Os ramos já a conheciam, eram bondosos com ela, amparavam-na de qualquer pé em falso, qualquer deslize. Chegavam a abraça-la para que não caísse.
Ainda atordoada, regressava à sua casa. Abanava a cabeça, beliscava os braços, entrava. Não sabia qual era a verdade da mentira.

2 comentários:

Ametista disse...

Ternurento, muito ternurento.
Verdade ou mentira, ajuda a esquecer o lado ingrato da vida..
Lindo mesmo.

Abracinho :)

sgar disse...

Pois é Ametista, não há nada como o mundo da fantasia :)
Beijinho