31 dezembro, 2011

o resto




«Tu vives a tua vida e eu vivo a minha, e o resto vivemos juntos»

O que é "o resto"? perguntas.
O resto...
Para alguns, à primeira vista, "o resto" pode parecer tão pouco. Aquilo que sobra, que excede e não interessa.
Mas para outros, "o resto" pode significar tanto, diria mesmo tudo.
"O resto" és tu e eu, aqui, neste exacto momento, em que a distância não é capaz de separar o sentimento. A saudade não consegue sufocar o desejo de te querer mais e mais.
O meu resto és tu. Onde quer que te encontres neste imenso universo, é a memória da tua voz grave e calma que me embala, a sensação dos teus braços fortes que me seguram e abraçam, o sabor da tua saliva que se entranhou na minha boca e a alimenta. É a nossa fantasia que envolve cada segundo da minha vida. Esse doce e inebriante "resto".
Aquele espaço apertadinho, secreto, que criámos entre os dois, é "o resto".
O pedaço de arte que nos completa, a poesia que nos exprime, a melodia que nos eleva e prolonga no infinito.


27 dezembro, 2011

Voar




Passou por mim mais um ano, ou eu passei por ele sem reparar.
A vida vai passando apressada, eu continuo a vê-la lá fora. Ofuscante.Como se fosse um filme que já tivesse visto vezes sem conta, decorado todas as falas e gestos dos actores. Conheço de cor a banda sonora. Irritante, repetitiva, ensurdecedora. Afasto-me assustada.
Todos os meus extremos são redondos, deficientes, inadaptados. Impotente, embato na realidade de vidro baço e percebo, desolada, que não sei voar.
Recolho-me no casulo novamente.
Passou por mim mais um ano, ou eu passei por ele, de olhos fechados, sem reparar.

24 dezembro, 2011

Um doce Natal


(feitas por mim!)

De mim para vocês, com todo o amor, desejo-vos de um Natal docinho!

23 dezembro, 2011

Would you?



Would you?


Há pessoas que ficam em nós porque nos fazem, ou fizeram, amá-las brutalmente.
Homens, mulheres, seres vivos.
Algumas tivemos por horas apenas, minutos, até segundos. Mas ficam a planar eternas no tempo, em memórias e sensações.
Podia ser um traço físico, um corpo delineado ou escultural, um cabelo ondulado comprido, uns olhos grandes azuis, uma boca carnuda, ... mas toda essa beleza seria efémera.
O que nos faz realmente amar alguém é o levantar do sobrolho, o olhar penetrante, o sorriso rasgado, aquele andar tímido desajeitado, o cabelo despenteado por cortar, aquele abraço apertado que nos preenche o corpo, as palavras certas vindas na hora exacta...
É o “olá” que nos estremece, da voz que conseguimos distinguir a quilómetros de distância.
É aquele braço que nos rodeia os ombros fragilizados, os dedos que nos percorrem arrepiando as costas, a mão que afaga o nosso rosto até à boca e pergunta: “então?”
É o sussurro no nosso ouvido, seguido do beijo quente, louco, molhado que se desenrola pelo pescoço.
São as gargalhadas partilhadas naquelas conversas desarrumadas e sem sentido.
É aquele ombro que nos ampara quando simplesmente não temos força para nos levantar.
É a música que nos canta baixinho ao ouvido em segredo, o corpo que se esfrega no nosso a dançar.
É a capacidade de nos fazer sorrir e esquecer do mundo, a saudade que nos aperta a alma na imprevisível ausência, quando “não está”.
É a vontade que temos de contemplar, estar perto, mesmo em silêncio, sem questionar.
Podia ser um traço físico, mas é muito mais...




22 dezembro, 2011

Espaço Amor


Há um espaço no mundo chamado Amor.
Não é um espaço grande, pelo contrário, é um espaço pequenino, de entrada estreita. Mas uma vez lá dentro, o conforto estende-se por todo o corpo, como se nos encaixássemos nele na perfeição. Completa-nos. Abriga-nos do frio, sacia a fome e a sede, afaga-nos o peito.
Nesse espaço mágico há o calor da voz que nos escuta e sussurra baixinho desabafos, loucuras e fantasias. E em suaves beijos, despe-nos lentamente e percorre-nos a pele sem receio. Não existe juízos, nem preconceitos. É um espaço virgem de medos, repleto de desejos.
Há esse espaço encantado chamado Amor. Num cruzamento escondido da vida, sem se perceber, duas almas perdidas entregam-se por inteiro, e os corpos confusos, ardem desassossegados de prazer.

18 dezembro, 2011

Palavras-escudo



Há certas palavras que me afastam.
Não é bem andar para trás (que eu não ando para trás), mas uma espécie de choque frontal numa barreira invisível que me pára, imobiliza como se entrasse num campo electromagnético. Sim, são palavras que parecem ficção cientifica. Vindas, de repente, do nada, produzem um efeito incalculável e incompreensível.
Nem sempre são palavras de sentido único, por vezes são um conjunto delas, organizadas de uma forma que me incomoda. Poderão chamar-lhe frases. Poderão considera-las inofensivas. Muitas são proferidas numa ingenuidade devastadora, que me arremessa para longe, atira-me distante. Engulo em seco, respiro fundo, fecho os olhos e volto a abri-los, para caminhar de novo.
Acredito que muitas dessas palavras-escudo são ditas sem intuito especifico, na maioria sem intuito nenhum. Mas, na minha insegurança irascível, condeno-as sem piedade, afasto-me com repulsa e desilusão.
Queria que os meus ouvidos fossem surdos dessas palavras, que se escudassem delas para não me ferirem.
E não ouvindo nada que me perturbasse, o corpo seguiria instintivamente em frente, livre e descalço por um caminho sem rumo.



15 dezembro, 2011

Voz de silêncio


Há uma voz de silêncio que me percorre o corpo adormecido. 
É um silêncio que fala através do olhar, do beijo ou de um abraço. 
Sinto-me bem em silêncio contigo, talvez porque me sinto verdadeiramente "contigo" e sinto-te "comigo". 
É um silêncio transparente. 
Há uma intimidade enorme no nosso silêncio que me aconchega a alma, como se a acariciasse de mansinho. Podia ficar a noite inteira deitada nesse silêncio. Sentir apenas a tua respiração rente ao meu pescoço, ter a companhia dos teus braços. 
Nesse silêncio escondido, a tua voz ecoa profunda e macia dentro do meu peito, acalma-me e aquece-me sentir-te perto. E é nessa entrega, surda e muda, que o frio, a sede e a fome desaparecem.

12 dezembro, 2011

Caminho


És o longo caminho que percorro, sem saber se regresso.
Sem saber sequer onde me leva, ou o destino que me espera.
Ainda assim, caminho sempre sem hesitar. Transpondo a chuva e o vento, seguindo, alheia a tudo o que me rodeia, há apenas uma direcção - em frente.
Caminho sem parar. Por vezes corro, de olhos abertos ou fechados, não me importa o rumo, não me assusta o silêncio. Porque há neste caminhar errático, viciado, um conforto ou alento. Como se, na surdez do escuro, uma voz chamasse por mim em segredo. "Doce", chama-me doce, numa voz grave e calma. Pressinto-a de repente dentro de mim, tão íntima, e acredito que está perto.
É nessa altura que corro desenfreada para alcançar o calor do seu corpo, o aconchego do seu peito. Mas a voz foge-me escorregadia, movediça, por este caminho interminável, a voz vadia de lugar certo. E com a sua ausência e inconstância, ela tortura-me, dilacera-me.
É nesse instante abandonado que a sinto novamente longe, distante, quando a pensava tão perto.
Uma voz mágica, encantadora, que alimenta o sonho, a fantasia e o desejo.
Um caminho longo, sinuoso, que percorro cega sem regresso.



09 dezembro, 2011

Frio de ti



Tenho medo do nosso Inverno.
Do vento gelado que rasga o rosto, da chuva que se entranha no corpo débil,
toda a sensação de melancolia, de vazio.

Recordo, com nostalgia, o fogo que nasceu no Verão, ardeu intenso no Outono ameno e que, a qualquer momento, sem percebermos, pode-se extinguir no frio do Inverno.

Tenho medo do nosso Inverno.
De perder o calor do nosso encontro, dos corpos despidos de segredos entregues na areia à beira-mar. Tenho medo de me perder de ti, de te perderes de mim. E na distância, vivermos sufocados por tudo o que poderia ter sido e não foi.

Não sei se por nasceres em mim no Verão, me incendeias. Como uma chama que arde de mansinho no meu peito, alimentada pelo calor das palavras com que me vicias e confortas. Entre nós há uma fogueira acesa hipnotizante. Soltam-se labaredas perigosas quando me envolves num beijo e atiças em loucura tudo o que não vivi. Acho que é isso: aqueces-me.
Tenho frio de ti.


07 dezembro, 2011

O Toque

do Nanowrimo 



Não basta tocar para sentir, é preciso amarrar os olhos e soltar a alma para deixar a pele transpor a barreira do óbvio e encontrar a verdadeira sensibilidade. Sentir é a única forma de estar vivo.
(...)
Numa parede junto ao pianista encontrava-se uma tela quadrada, talvez 90x90cm, com traços e relevos irregulares. “Provavelmente uma mistura de técnicas”, pensei sem dizer uma palavra. À primeira vista parecia-me um jogo de sombras abstracto.
- O que vês? – Os seus olhos brilhavam por detrás dos óculos finos de armação de metal.
- Ahh… - Hesitei nervosa como se estivesse de repente numa prova oral - Não sei bem…
- Não tenhas pressa, podes tocar.
Fugiu para trás de mim, tapou-me os olhos com uma mão e com a outra agarrou-me na mão esquerda conduzindo-a de encontro à tela.
A pele suave das suas mãos nos meus olhos fechados contrastava com a mistura de rugosos, granulados e pinceladas lisas da tela. Tacteava, ondulando com a mão dele por cima da minha percorrendo toda a tela. Tudo aquilo, o inesperado e imprevisível da situação, acelerou-me o peito entre a confusão e o medo.
- O que viste? – Perguntou novamente, destapando-me os olhos e largando-me a mão.
Como se os meus olhos vendados vissem através das minhas mão.
- Pele - saiu-me assim sem pensar - pele suave.
Contemplou-me com um ar sério por minutos que pareceram eternos. Finalmente as feições dele assumiram um sorriso meigo, com umas covinhas no rosto que lhe conferiam um ar engraçado.
- É isso mesmo. São vários corpos entrelaçados, vestidos apenas de pele.
Respirei, num misto de alívio e estupefacção, com a minha súbita sabedoria no campo da pintura.
Voltámos para a mesa e ele explicou-me que os relevos permitiam dar forma aos corpos, transmitindo intensidade aos que estariam em movimento ou agitados. Perguntei-lhe ainda porque eram peles despidas, qual era o significado. Tirou os óculos, colocando-os em cima da mesa.
- Porque a roupa é uma barreira a qualquer forma de sentir. Por exemplo, consegues sentir o gelo assim? – Esbarrou um cubo de gelo que tirara do seu copo por cima do meu pullover com uma camisa por baixo.
Abanei a cabeça, confirmando o que dizia. Quando de repente ele se debruçou sobre a mesa e atirou o cubo para dentro da minha camisa fazendo-me levantar num salto.
- És louco! – Guinchei entre o irritada e espantada.
- Reagiste, vês? – Sorria – Só a pele permite sentir, conhecer algo na realidade.



05 dezembro, 2011

Sorrir



Sinto quase um dever de sorrir. Sorrir sempre. 
Mesmo que me envolva um vazio imenso, cinzento, ainda que a incompreensão se instale no mais íntimo de mim, de tal forma torne a minha visão turva incapaz de distinguir a realidade do sonho. 
Sorrir é uma espécie de escudo que carrego, é a concha onde me recolho para não sentir a erosão do tempo, das impossibilidades que ferem como flechas disparadas do céu. 
Num sorriso carrego o alento do meu mundo sonhado e, inebriada nele, esmago tudo aquilo que não quero sentir. As dúvidas, as incertezas, as desilusões. Todas diluídas num rasgar de lábios que se basta a si próprio. Capaz de segurar o corpo trémulo contra as intempéries que o sacodem no ar. Rasgam-se os lábios, num movimento  ritmado, cíclico, previsível. Quase tão natural como respirar. 
Sempre que morres, morro também mais um pouco. Ainda sim, o sorriso sobrevive, sempre, porque eu mereço sorrir.



Não dá




«Não dá» disse-lhe por entre frases desconexas, desencontradas e sem sentido.
O quê? Ela não sabe, nem perguntou. Ele também não. Nem porquê ou como. Mas disse-o.
Soltou-se entre frases perdidas. Ambos sabem que os caminhos por onde andam não se irão cruzar mais. Que o mundo gira para o lado contrário sem parar e um vento forte os afasta.
E tudo se resume num «como estás?», e uma resposta evasiva simultânea «não muito bem». Um silêncio profundo, dorido, incapaz de ir além.
Seguem-se frases a jorrar palavras sem sentido. É preciso gritar estas palavras ocas até que os ouvidos doam e rasguem a pele. Fingir o impossível, na impotência de tudo o que se quer e não se tem.
«Temos de falar» disse-lhe num turbilhão de emoções tanto tempo contidas, prestes a explodir.
Falar de quê? Para quê? Pergunta-se na imensidão de vazio que lhe deixou, no silêncio abrupto onde a encarcerou sem explicação.
Porquê agora? Hoje? Neste momento?
Agride-a, certeiro com uma pedra na cabeça. E, ainda em transe, tudo à volta treme, o chão foge, por momentos perde a direcção.
«Um tempo», ela tinha pedido, lembra-se, um tempo de vida que ele não esperou.
«Não dá» zumbe-lhe aos ouvidos como se fosse a resposta ao seu pedido, aquela que tardou. Abrasiva, chega-lhe agora aos ouvidos desprevenidos, arranha-lhe a alma moribunda e suga-lhe uma réstia de vida do corpo que resvala, pelo abismo, sem precaução.