O ruído dos motores aumenta à medida que avança na pista. Ganha força e arranca em direção ao infinito. Liberta-nos da terra. Das amarras da rotina. Troca-nos a realidade por fantasia. E de cima, vemos o mundo ficar cada vez mais distante , ridiculamente reduzido, até que o perdemos de vista. Há algo de inebriante no momento de descolar. Como se a alma se separasse do corpo, flutuasse, leve, e a deixássemos ir, ávida do desconhecido. Sempre foi mais fácil para mim partir do que chegar.
Detenho-me, frequentemente, nos tons laranja e rosa de um por do sol. Acalmam-me da desorganização da vida. Para muitos é o fim do dia, um ponto de chegada. Para mim é um ponto de partida. Onde encontro, numa espécie de paz, a segurança de me encontrar numa existência tão breve quanto possível. Até que o conforto da minha cama me chama, atrai-me para o passar de mais uma noite, repetitiva. Prende-me à roldana que alimenta os impiedosos ponteiros do relógio. Para acordar novamente. Sair para o abismo diário do silêncio entre os corpos, gentes frente a frente, a distantes centímetros de letargia. Somos cada vez mais desconhecidos.
Fazer da vida um paraíso, sempre foi a minha maior utopia. O mito da felicidade que não existe. Agarro-me impotente a visões fragmentárias de momentos felizes. Os rostos, as vozes e os risos que nos preenchem o vazio. Assusta-me a morte de quem amo, a eterna ausência, a verdadeira nudez que é a perda de sentido para tudo.
É de noite e olho pela janela o céu escuro, estrelado, e procuro nele as respostas interditas. Nesse estado de paralisia temo perder-me de mim mesma num lugar desconhecido. Onde questiono se serei um outro eu, se essa será uma não vida. É nesse momento angustiante que anseio levantar voo. Trocar a realidade pela fantasia.