Era só voltar as costas e fingir que estava tudo bem.
«Só mais uma ultima vez», repetia baixinho, enquanto evitava enfrentar os olhos que procuravam, desesperados, agarrar os seus. Aqueles olhos mel. Carentes, meigos, dilacerantes.
«Só mais uma ultima vez», repetia baixinho, enquanto evitava enfrentar os olhos que procuravam, desesperados, agarrar os seus. Aqueles olhos mel. Carentes, meigos, dilacerantes.
Vira as costas, sempre primeiro. E finge, finge trémula que está tudo bem. Depois segue determinada em frente, como se mergulhasse num imenso mar. Asfixiada, regressa à superfície novamente. Por sobrevivência. Não aguenta o aperto no peito, a violenta falta de ar. Regressa e olha para trás, por instinto, ou sofreguidão. Vê-o de costas desamparado, os ombros tristes caídos, o andar lento e desengonçado, a forma desregrada como passa a mão pela cabeça enquanto se diluí nos corpos vulgares da multidão.
Segue-o com os olhos baços, pelo infinito abstracto e escuro onde se esvai. Devagar. E pensa que talvez seja o seu abraço. A forma irregular de a abraçar. A curva do seu corpo quando a agarra e lhe rodeia a cintura. Acha que aquele abraço é a concha onde se encaixa, e é ali que julga pertencer. Podia alimentar-se daquele abraço. Naquele abraço, podia viver.
Diz para si que foi a ultima vez, porque é sempre a ultima vez entre os dois. Escassos momentos confusos de euforia e pânico, de felicidade e angústia. De impossível paixão.
Depois? Depois, há sempre o adeus que os espera impaciente no cais de embarque, no terminal do comboio, numa qualquer bfurcação. O adeus cruel que viola os ponteiros de um tempo injusto que exige e desgasta, como um veneno tóxico, corrói lentamente, sem compaixão.
«É a ultima vez», diz baixinho. Num soluçar incontido, abafado. Perpetuando o instante na memória do tempo, junto dos momentos tão belos quanto efémeros que alimentam a alma, numa vida tão breve e escassa. Tão frágil.