«Nunca é agora entre nós, é sempre até Domingo, até sexta, até terça, até ao próximo mês, até para o ano, mas evitamos cuidadosamente enfrentar-nos, temos medo uns dos outros, o medo do que sentimos uns pelos outros, medo de dizer Gosto de ti.» António Lobo Antunes
06 setembro, 2011
Ainda me prendes
«Ainda me prendes com o olhar»
Sente ao entrar apressada no elevador e finge não reparar no olhar que a persegue, fitando-a cruamente. Finge interessar-se pelo cabelo no espelho, ajeitando-o com os dedos, indiferente ao corpo que divide o espaço consigo.
Vê o seu sorriso reflectido, enigmático, e murmura algo coloquial sobre o tempo «que chato esta chuva». Ele acena e os olhos permanecem fixos nos seus, agora através do espelho, embatendo, estilhaçando a frio.
Foge dele, do olhar que penetra o vidro, e olha para baixo. Um chão cinzento sem nada inscrito. Vazio.Também eles já nada têm para dizer, sugados num silêncio incómodo que os fustiga.
Que «sim» responde-lhe baixinho e os olhos cruzam-se novamente, agora de frente. Esgrimem-se. Combatem, a flechas de fogo. Caem num meridiano perdido.
Por instinto, ele pisca-lhe o olho, já destreinado, ela esboça o sorriso antigo. Não dizem nada. Apenas o olhar preso, encaixado, violento e febril. Reacende mais uma vez o pavio, a chama queima altiva. Desconcertante. Uma viagem imprevista que se esperava curta e revela comprida. O ar escasseia e os pulmões reagem enfurecidos.
«Só mais dois pisos» grita em si confusa. Naquele instante, já não sabe se quer que ele suba rápido, ou se pare ali, num hiato escuro, onde os olhares beijam-se despidos de razão ou sentido.
Enfrenta-o agora decidida, questiona por segundos dolorosos, se aquele desejo é recíproco. Ele não recua, nem avança. Apenas a perfura subtilmente com o olhar, perturbante e incompreensível.
O elevador pára e os olhares soltam-se com o impulso físico. Ela soluça um «bom fim-de-semana» como que a vestir-se apressada pela manhã dizendo «é bom fazer amor contigo».
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