10 outubro, 2011

Rocha fria



O corpo deambulava mecanicamente, obedecendo aos movimentos involuntários. Arrastava-se. Ritmado. Um passo, depois outro, num avançar cego, por instinto. O olhar pousado na areia molhada, agora marcada pelas suas pegadas num areal virgem. A musica rasgava-lhe os ouvidos, impedindo as vozes de entrar. As outras e as suas. Muitas, demasiadas, gritavam sem parar. Procurava a paz do silêncio nos rochedos, no rebentar das ondas do mar. Não lhe apetecia falar. As palavras espetavam-lhe os ouvidos como alfinetes. Aquela rocha dura, fria, era onde se abrigava, como numa concha. Abraçada, protegida. O seu corpo encaixava-se nela por medida. O vento passava ao lado sem incomodar, o mar espreguiçava-se na sua frente enquanto o sol brincava às escondidas.


Sente, acha que é isso - sente. Porque vem de dentro. Uma amálgama de sensações doridas, de todas as decisões errantes com que constantemente se martiriza. Um emaranhado de dúvidas e contradições. Ali, todas elas sentadas naquele buraco da rocha fria, cercam, possuem, esmagam de dor. 

Vira-se de costas, sem hesitar. Era assim que se despedia de tudo o que deixava para trás, do que não podia ficar. Ao fundo, de olhos baços, ainda vislumbra o sorriso de um abraço, um beijo meigo apertado, o calor do corpo que a aqueceu. Aos poucos torna-se numa névoa indistinta, ou será a noite a escurecer, tudo acaba por desaparecer.

Esconde as lágrimas num rosto calejado, pálido. Os lábios comprimidos lutam por se controlar. Mas uma tempestade inevitável desabava na noite escura, quando sozinha permite-se chorar.



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