Há pessoas que ocupam o espaço.
De tal forma parece que as vimos em todo o lado por onde andamos a olhar-nos fixamente, perseguindo os nossos passos, sentindo a sua respiração no pescoço, o cheiro da sua pele.
Aparecem do nada, a qualquer hora do dia, e da noite, sem avisar. Atiram-nos ao chão, num golpe baixo, sempre que o nosso pensamento tenta fugir por um instante. Numa música da rádio, numa expressão que ouvimos na mesa do lado, na forma de andar de um desconhecido que nos interpela num bar.
Entram por nós, colam-se à pele, às paredes do estômago e possuem todos os orgãos vitais. Como um virus, devoram tudo o que restou depois de nos deixarem.
Estás outra vez ali, ao fundo, a caminhar na minha direcção com um sorriso nos lábios.
Indiferente à chuva gelada que escorre pelo teu rosto, abres os braços na minha direcção. Os teus braços, enormes, envolventes. E nessa altura dou por mim a correr descontrolada para a cegueira do vazio, na escuridão de não te tocar. Sei que o teu corpo é agora intangível, uma projecção da minha mente. Volto para trás. Fecho-me no carro e ligo o motor, mas o rádio toca aquela música que ouvimos juntos da ultima vez, neste mesmo carro, agora abandonado, sombrio. É como se me falasses ao ouvido sem eu te poder responder. As memórias atacam-me, desprevenida, com violência assustadora.
"Sai de mim!" grito.
Mas tu não me ouves. Tu não estás.
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