21 setembro, 2012

Falta

Talvez seja mesmo assim que te sonho.
Apareces num fim de tarde apagado e sentas-te em silêncio ao meu lado, enquanto as ondas se espreguiçam na areia e riem de nós baixinho.
Vens com duas cervejas na mão, sorris embaraçado e brindamos no ar ao imenso infinito.

Depois cercas-me as costas sem eu notar, os teus braços amarram-me, quentes, protegendo-me do vazio. Conforto-me neles deliciada, a pele sucumbe arrepiada e quero acreditar que é do frio.
No silêncio gelado, rompem assustadas as palavras,surgem tremidas
- "o que sinto falta?" pergunto num sibilo contido.
Cheiras-me o cabelo, beijas-me o pescoço e só então respondes sem hesitar ao meu ouvido
- "cumplicidade".

Recolho o corpo inteiro nos teus braços e sonho, dolorosamente, ficar ali contigo.



05 setembro, 2012

Consciência

Há dias abandonados.
Povoados de sofrimento e inquietação. Um fantasma, uma casa assombrada. Onde as paredes estremecem. O chão de madeira gasta range, as luzes apagam-se fúnebres no velório da solidão.
Até a chama das velas se encolhe ante o peito que arde em violência, irado, derrama uma lava brilhante de vulcão.
O espectro moribundo, habita a gaveta da memória. Um espaço minúsculo trancado, revolto, desarrumado na incompreensível anarquia da emoção.
Atrevo-me a dar-lhe um rosto, um corpo e até um nome. Uma forma de andar desengonçada, uma voz aveludada meiga. Pormenores que tatuam a alma abandonada. Resquícios do tempo que passou por mim apressado, trilhos distantes em quilómetros de desilusão. Reconheço, entre a surpresa e a dor, que sou eu mesma, o fantasma. Ele possui-me, habita-me numa estranha calma. Sorri.
São dias aprisionados, na insuportável realidade. Acordo com a lembrança dolorosamente clara, da vida que ainda não vivi.

(um repost meu antigo, remendado, remexido, ficou igual...)