26 setembro, 2013

Tudo


Ao fim deste tempo todo, continuas comigo.
Numa distância que não separa. Numa cegueira que não esquece ou apaga. Cada contorno do teu rosto, cada rasgo do teu olhar sorrindo.
Continuas aqui, vagueando pela corrente que nos arrasta, sem rumo. Apenas tu, sem dinheiro, casa ou trabalho, sem nada. Abandonado em mim, por todo o lado.
E há dias em que te vejo numa qualquer esquina por onde passo, e sinto no meu pescoço a tua respiração quente no vazio de gente que me circunda. Outros dias afagas-me o rosto e abraças-me, como se me enrolasses no teu casulo mágico, e oiço, no silêncio em que adormeço, a tua voz rouca, numa calma melodia.
Continuas em mim, por mais que o tempo insista em fugir do nosso alcance e o destino seja uma palavra ingrata. Distorcida. 
Há pessoas que não têm nada, não querem nada.
Há pessoas que são tudo.


19 setembro, 2013

Talvez

 
Hoje a cama acordou vazia.
O cheiro da tua pele ainda se sentia, espalhado nos lençóis impecavelmente intactos. A almofada fria, rígida, reclamava toda uma noite despida. O calor do teu corpo, a forma como desarruma os lençóis e os amassa. 
A cama acordou vazia. Estranhamente vazia, sossegada. Como se um pesadelo tivesse invadido a sua alma. Sozinha. A memória arrastou-a de volta ao passado. 
De que sentia falta?
Talvez tudo. Talvez nada. 


12 setembro, 2013

Esta noite

Que me ame.
Sinto falta que me ame intensamente. Agarre-me com força sequioso. Rasgue-me a boca, a roupa, percorra todo o meu corpo embriagado e o queime de desejo. Aquele gemido contido junto ao meu pescoço, a respiração quente a escorrer pelo peito, enquanto as mãos deslizam frenéticas, insatisfeitas. Puxam-me. Insanas. Num compasso alternado, rápido e depois lento. Provocando arrepios e  deleite. A pele macia, quente, inunda-me, preenche-me completamente, sufoca-me num intenso calor. Quere-me, neste momento, desesperadamente, numa explosão de prazer, e amor. Abraça-me extenuado, beija-me e acaricia o meu rosto.
Que me ame, intensamente. É disso que sinto falta esta noite.

10 setembro, 2013

entre os dois

« a mais bela ponte construída no planeta é a distância entre um olhar e outro» Mário Prata


Por vezes é mesmo assim. O meu olhar perde-se no teu à procura de respostas a perguntas que não existem. Outras, perdes-te no meu, ziguezagueando indeciso, entre palavras sobre assunto nenhum. De que falamos quando os nossos olhares se chocam despidos?
Socorro-me de frases feitas, banais, entre um pestanejar nervoso que finges não reparar. E tudo o que digo sai desenfreado, tu perguntas, eu repondo. Quase sem pensar. Porque o que penso no meu íntimo, nunca digo. Fica sempre entalado entre um olá e um adeus, adiado para um depois, que nunca irá chegar.
Normalmente é assim entre nós dois. O tempo corre-nos nas veias e sabemos que é cruelmente veloz. Que perdemos sempre mais um pouco, desperdiçamos cada momento que os nossos olhares se cruzam perdidos um no outro. Prendem-se. Cegos. De medo? Pergunto em surdina.
"Somos opostos", dizes-me sem rodeios, como um raio de sol que me queima a retina. Opostos, repito confusa. Pensava-nos perto. Reparo desconfortável, entre nós, uma cerca opaca e rígida.