28 fevereiro, 2012

Provar




Quero provar.
Como o sabor novo de um gelado, uma fruta desconhecida sumarenta ou uma bebida alcoólica clandestina.
Quero provar.
Saber se é doce, ou salgado, refrescante, viciante, se tem o aroma da canela ou o travo a hortelã.
Quero provar.
A textura, a forma, o calor, a intensidade.
Não digas absolutamente nada. Não perguntes, eu não respondo. Quero provar-te mudo.
Venda-me os olhos, segura-me os braços.
No imprevisível do momento na ausência de porquês.
Prova-me, apenas, lentamente.


«ESTA vez dejadme
ser feliz,
nada ha pasado a nadie,
no estoy en parte alguna,
sucede solamente
que soy feliz
por los cuatro costados
del corazón, andando,
durmiendo o escribiendo.
(...)
Hoy dejadme
a mí solo
ser feliz,
con todos o sin todos,
ser feliz
con el pasto
y la arena,
ser feliz
con el aire y la tierra,
ser feliz,
contigo, con tu boca,
ser feliz.»
Pablo Neruda

Espaço que ocupas



Há Pessoas que preenchem o espaço.
De tal forma confundimos a fronteira onde começa o espaço e acaba a pessoa.
Estão sempre ao virar de cada esquina. Em todo o lado. Num embate inesperado, rasgam o escuro de uma noite fria.
Vejo-me, mais uma vez, nesta ausência. Do espaço vazio que agora ocupas, nas incertezas com que me preenches.
Estás ali parado, naquele passeio, encostado ao meu carro, de cabelo desalinhado e a agitação de quem acredita que o mundo vai acabar a qualquer instante. Corro para ti, mas não te alcanço. Sei que esse teu corpo é uma projecção da minha mente. Fecho-me no carro, trémula, e ligo o motor. O rádio toca aquela música que me gravaste. É como se gritasses ao meu ouvido sem eu te poder responder. Tortura-me o silêncio do espaço que me falta. Sufoca-me de loucura. Saio do carro para conseguir respirar e vejo-te novamente. Tu ali à minha frente, em cada espaço que ocupo.






27 fevereiro, 2012

Espero por ti



No final, és sempre tu.
Do nada, ressuscitas inesperadamente, como um fantasma.
Envolves-me com o sopro da tua absurda sinceridade. Arrasas-me violentamente.
No mais imperfeito juízo, deslaço. E as pontas que segurava com firmeza, caem. Os nós embrulhados desatam-se. Alteras o ritmo do meu peito, o bombear do sangue, até a maneira como falo. Podia dizer que me deixas sem pingo de vida, nesse instante impossível em que te atravessas à minha frente.
Enrolo as palavras com a língua entorpecida e, numa espiral, deixo-me ir embriagada, adormecida. Sem medo.
Bloqueio. Retrocedo. Avanço novamente. Porque nunca soube lidar comigo, na ânsia de te ter. Nunca soube deixar-te, nunca aprendi a esquecer-te.
És sempre tu, no final que eu já vivi.
Apareces do nada, despido de tudo. Largado ao vento, de mãos a abanar. Ali ao fundo, numa estrada qualquer, do outro lado da linha, eu espero por ti.



25 fevereiro, 2012

Paradoxo



"Leia o texto abaixo e depois leia de baixo para cima"

"Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
 E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais..."

Clarice Lispector

24 fevereiro, 2012

pessoas âncora vs sedante



Penso que há pessoas âncora e pessoas sedante.

As pessoas âncora são robustas, atracam-nos à terra. Ajudam a estabilizar o nosso mundo exterior, recebem o nosso corpo como um estaleiro, defendem-nos dos perigos lá fora, da instabilidade dos ventos e tempestades, do frio. São o ponto de equilíbrio, o porto de abrigo.  Agarram o nosso destino e traçam connosco racionalmente o caminho.

As pessoas sedante entram em nós devagarinho, esquivas, sem notarmos. Percorrem a corrente sanguínea, libertam uma qualquer substância química no nosso organismo que o faz relaxar. Acalmam-nos por dentro. Ainda que a corrente nos puxe para alto mar, tudo à nossa volta se desmorone num barulho ensurdecedor, e um furacão nos arraste, ainda que elas não consigam encaixar-se na nossa vida, não nos protejam nem sigam ao nosso lado qualquer trilho, elas sedam violentamente o nosso organismo de uma droga magnífica, apaziguam qualquer dor interior.

As pessoas âncora seguram o nosso corpo intermitente mas são incapazes de libertar a nossa mente inquieta que se debate insatisfeita, solitária, no escuro. Impotentes para soltar as nossas fantasias, medos e loucuras. Só as pessoas sedante arrancam-nos a roupa com a suavidade de um beijo e conservam-nos voluntariamente despidos numa paz paradisíaca.

Porque razão nos agarramos sempre a âncoras nesta vida?


22 fevereiro, 2012

Sorte




Sorte
Encontrar-te num fim de tarde, perdido
Resgatar-te o olhar, o sorriso,
Arrancar-te um olá desamparado, tremido
Sorte
Entre a hesitação e a timidez de te abraçar
Recuperar os teus braços gigantes
Envolveres-me inesperadamente como antes
Aquecer-me em ti sem pensar 
Sorte
Esquecer o conceito de certo ou errado
Viver a anarquia da contradição  
Agarrar-me ao brilho dos teus olhos
E sonhar-te, sem limite ou justificação
Sorte
No ínfimo espaço que nos separa
Onde habita a loucura e o desejo
Deslizar para o teu colo, o meu corpo frio   
Encaixar-me suavemente, roubar-te um beijo   
Sorte


20 fevereiro, 2012

sei de cor




Quando as palavras despem a minha boca, chamam por ti.
Num murmúrio rouco, alucinado.
Talvez ainda não te tenha arrancado da pele.
E o meu sangue queime as fronteiras da racionalidade.
Mesmo tendo sido a tábua que agarrei para me salvar, a bolha de oxigénio que tornou o ar suportável.
A verdade, é que sinto a tua falta em mim. Corrosiva
E lanço-me na escalada diária de reaprender a viver de novo sozinha.
Procurando outros refúgios, num sonambulismo crónico. Afastando-me do mundo, dos outros, de mim.
Há uma espécie de paz na solidão voluntária, um silêncio dormente, anestesiante, indolor.
Não fujo dele. Conheço-o de cor.

18 fevereiro, 2012

Eu vou



Se me arrancares um sorriso, eu vou!
Fica combinado, sem porquês ou hesitações. 

Leva-me onde quiseres. Não me interessa o lugar. Uma montanha íngreme, um mato denso, uma praia deserta ou um telhado inclinado. Não quero saber se vai estar sol, se sopra um vento forte, se vamos à chuva ou ficamos debaixo do céu estrelado. Eu vou! 
Mesmo sabendo que essa poderá ser a única vez. Um instante que roubamos à realidade, uma fresta de vida, um rasgo de vontade
Eu vou!
No calor do momento, peço-te apenas para seres verdadeiro comigo. Seres tu, somente. Esqueceres o mundo confuso lá fora, os quilómetros de gente, a monotonia das relações e das conversas vulgares. Ali, d
espidos de tempo. Eu e tu, somos iguais. Sofremos do mesmo. 
Sem segredos, quero partilhar-te numa conversa sem horas, regras ou rituais. 
Dizer-te as coisas mais loucas e irracionais, rir-me do teu ar sério, admirado. Abraçar todo o carinho que me tens dado.
Arranca-me um sorriso e eu vou.  Está combinado. 





 

17 fevereiro, 2012

Escorregar

Sempre achei que um dos meus principais problemas era escorregar. Ainda assim, abuso estupidamente dos saltos, mesmo nos pavimentos mais complicados, leio a andar diariamente e arrisco-me nos desportos mais prováveis de... escorregar.
Não aprendo a ter medo, não me convenço a mudar. Corre-me no sangue a paixão da adrenalina, move-me o desejo voraz de arriscar o desconhecido, vendar os olhos, suster a respiração, mergulhar.
Não sei ser de outra forma. Mais calma e inteligente, talvez. Mais segura, menos impulsiva. Sou assim.
Não tenho vertigens. Escorrego.
Levanto-me sempre e volto a andar.

16 fevereiro, 2012

Digo eu

Digo-te que não existe isso dos teus beijos. Nem os meus.
Há a tua boca e há a minha.
Na fusão brusca entre as duas, derretem-se os lábios no beijo.
A temperatura aumenta e a pressão enlaça as línguas indomáveis, misturando a saliva transformada de desejo.
Digo-te que não existe isso dos teus beijos. Há fusão.
É tudo uma questão de física.
Digo eu.



08 fevereiro, 2012

Conversar comigo





Não é que as palavras me faltem.
Não é que se escondam, ou que eu as ignore.
Elas soltam-se incontroláveis, vagueiam desamparadas na escuridão do imenso vazio onde procuram o calor dos braços que as abriguem.
Não é que me faltem as palavras, elas jorram sangrentas numa hemorragia imparável, letal. Arrastam-se como um pedinte, esfomeado e sedento, mutilam-se, confortam-se. Matam-se de contradição.
Mais uma vez solto-as e começo embalada. Mais uma vez desisto e não termino.
Recolho-me no meu canto, invisível, perdida em pensamentos confusos, obrigo-me a um silêncio profundo. Uma mudez que consome todas as horas solitárias de insónia. Até o amanhecer sacudir-me o corpo frágil e endurecido. 
Um dia mando tudo aquilo que não te digo. Até lá, guardo as palavras, espalhadas em rascunhos desorganizados, sem sentido. Escuto-as, sempre irritada com o que me dizem. Apago-as, rescrevo-as vezes sem conta, numa batalha campal como se elas fossem o meu pior inimigo.
Escrever sempre foi a melhor forma de conversar comigo.




05 fevereiro, 2012

El sueño





«El sueño

Andando en las arenas
yo decidí dejarte.

Pisaba un barro oscuro
que temblaba,
y hundiéndome y saliendo
decidí que salieras
de mí, que me pesabas
como piedra cortante,
y elaboré tu pérdida
paso a paso:
cortarte las raíces,
soltarte sola al viento.

Ay, en ese minuto,
corazón mío, un sueño
con sus alas terribles
te cubría.

Te sentías tragada por el barro,
y me llamabas y yo no acudía,
te ibas, inmóvil,
sin defenderte
hasta ahogarte en la boca de arena.

Después
mi decisión se encontró con tu sueño,
y desde la ruptura
que nos quebraba el alma,
surgimos limpios otra vez, desnudos,
amándonos
sin sueño, sin arena,
completos y radiantes,
sellados por el fuego.»

Pablo Neruda

03 fevereiro, 2012

Simplicidade



Sou simplicidade.

Cada olhar, cada gesto meu, é impulso e vontade. 
Cada pedacinho de mim, mais íntimo, oscila visivelmente entre a brisa calma de um fim de tarde e o mar revolto em tempestade.
Na minha realidade não há certezas nem designios do destino. Há uma amálgama de dúvidas, comandadas em delírio por desejos irracionais. Momentos doces, calmos, selvagens, mas fieis a mim, ao que anseio nesse instante que vivo sem ilusões do depois.
O depois logo se vê, pensar nele é antecipá-lo. É perder o presente.
Podemos passar à frente? Assim sem porquês e mais nada. Esquecer o complexo das convenções. A tua individualidade e a minha. Seremos sempre dois náufragos de rumos distintos, cruzados em breves momentos.
E então? De que é feita a vida? De momentos.
Sou simples. Podemos passar à frente?


01 fevereiro, 2012

Arranca-me um Sorriso




E assim, do nada, arrancas-me um sorriso.
Inesperado como uma onda gigante num mar calmo, brilhante como o reflexo do sol que eterniza aquele momento divino.
Um simples sorriso. Mágico. Bonito. 
Era tudo o que mais precisava neste instante.
Fazer amor com este sorriso. Envolver-me suavemente nele, entregar-me intensamente, livre. 
Talvez ele emane a beleza pura da poesia, saboreio o doce travo a mel na boca, a sede de te-lo sempre comigo. Deixou-me na pele o desejo, simples, que não reprimo, de ter-te neste sorriso.