30 novembro, 2011

Chegar a ti



Digo para mim que talvez seja uma questão de altura.
Nem sempre estamos no mesmo patamar. Tu és alto, eu sou baixa. Há cerca de dois palmos de centímetros que nos separam. Dois palmos que fazem toda a diferença.

Por vezes olhar para cima causa tonturas e náuseas. Acredito que olhar para baixo provoque vertigens assustadoras. Digo que é mesmo assim, é uma questão de nivelamento. Tu não me vês, eu não te vejo.

Eu nem sempre aguento estar de bicos de pés para acompanhar os teus olhos. Compreender-te, ver o mesmo que tu, do teu ponto de vista, o teu ângulo.
Tu nunca experimentaste baixar-te, ver as coisas daqui. São diferentes sabias? Mas nunca sequer tentaste. É tão mais fácil esperar que alguém chegue a ti, te mime e te ame.

Aí do alto onde vives, é um mundo de sedução, completamente novo para mim. Subo-te sequiosa, ramo a ramo. Sou eu sempre que subo, sou também eu que me arranho. Ainda assim, nunca digo «não» e aceito cada desafio de subida que alcanço.
Chego ao alto do precipício, limpo o sangue das feridas e deixo-me possuir pelo encantamento do teu beijo. Ainda que as pernas me tremam de cansaço e exista uma dormência permanente, como se estivesse em pontas o dia inteiro. Eu aguento. Tenho aguentado sempre, as tuas horas vagas, os caprichos e ensejos.
É assim que chego a ti, com dificuldade, não nego. Porque sabes-me a vida, o sabor ácido do desejo.





29 novembro, 2011

Eu salto!



- Eu salto! E tu?
No final é tudo um desafio.
Quem vai ter coragem de saltar? Será que um vai sentir medo naquele segundo, vai hesitar?
- Eu salto! - Repetia com o trepidar da adrenalina a pulsar nas veias - Nem que feche os olhos, eu quero saltar!

Toda uma vida decidida num único salto. Lá em baixo um abismo enorme, infindável, era o paraíso sonhado, pronto para os abraçar. Enquanto o seu corpo ao vento, lá no alto, assustado e impaciente, ansiava voar.
Olhava para ele nos olhos fixamente, com aquela força que move rochedos, com a certeza, tão incerta, de que ele a iria acompanhar. Ele saltaria com ela, convencia-se, torcendo-se de pânico por dentro. Ainda assim, preparava-se determinada, chegava-se para a frente com cuidado, e respirava fundo para se mentalizar.

Era «o» salto, o único que podia dar. Um mergulho de cabeça, no escuro imprevisível. No prazer do momento, não imaginava sequer onde iria aterrar.
Mesmo assim arriscava tudo por aquele momento mágico. Um salto a dois, cúmplice do destino, não existiria nesta vida outra oportunidade igual.
Pediu-lhe para saltar de mãos dadas. Chegou-se o seu corpo quente para junto dele e sussurrou-lhe baixinho para nunca a deixar escapar.

No final é tudo um desafio.
Os desejos são os mesmos, mas a capacidade de cada um é diferente para os realizar.
Ela saltou, de olhos fechados, para o vazio imenso. Ele soltou-lhe a mão, não conseguiu saltar.

25 novembro, 2011

Flauta mágica



Há vozes que nos encantam como uma flauta mágica. Numa espécie de hipnose acalmam o espirito e transportam a nossa alma.

Acabava sempre por voltar aquele lugar. Enterrava os pés na areia e ainda sentia o coração a pulsar dentro das veias. Eram segundos em que acreditava que iria encontrar-lo. Segundos desconexos. Envoltos numa grande névoa de delírio. A loucura de o procurar. «Onde estás?» Não sabia. «Sei que não estás aqui» repetia para mim em solidão.
Ainda assim eu voltava sempre. Enquanto os meus pés soubessem o caminho e o corpo dormente me arrastasse para aquele lugar.
Olhava o mar revolto. As ondas de espuma a baterem iradas nas rochas. Assim fomos nós outrora. Dois seres rebeldes, ingénuos a vaguear.
«Foste tu? Ou fui eu?» Pergunto-me constantemente. Mas que importa agora? Perdemo-nos um do outro. Nunca nos soubemos manter ou fixar .
Como as marés vivas de Setembro, a voz dele tinha explodido no meu corpo um desejo estranho e intenso numa espécie de encantamento. O impossível, o improvável. Apaixonei-me de repente, sem notar. A forma como me sussurrava ao ouvido as loucuras que gostava de inventar, encarnava as minhas fantasias mais escondidas e fazia-me sonhar. Abriu o seu mundo desequilibrado e utópico que eu passei a amar. Fui espreitando devagarinho, a medo. Deslumbrando-me com o poder da melodia das palavras roucas que cantava, que não permitia pensar em mais nada, numa entrega visceral. Depois fechou-o outra vez, de repente, sem me avisar.
Hoje sinto-me aquele mar revolto, agitado que bate violento de encontro às rochas, que tento em vão derrubar. Sei que anda à deriva por aí, em qualquer canto do mundo, sozinho, distante. Que voltará um dia, talvez, mais calmo, mais reprimido por tudo o que a idade o obrigará a passar. Entre nós poderá ainda existir um beijo, um abraço, um olhar. Por agora, o mar bate nas rochas, vai e volta em boomerang. Assim é o desejo que tenho de encontra-lo. Inconstante. Insatisfeito. Poderoso. Como as músicas que me cantava ao ouvido, recordo-as repetidamente, sem conseguir parar.
NaNoWriMo :)

22 novembro, 2011

Loucura e Paixão


A loucura e a paixão andam de braços dados.
Não sei se uma chega primeiro do que a outra, se é uma que leva à outra ou se, simplesmente, atravessam por destino uma estrada encantada num qualquer cruzamento da vida.
Sei que se abraçam instintivamente e não se estranham. Entranham-se. Fundem-se numa mistura explosiva.
Toda a loucura tem o fogo da paixão a queimar violentamente a racionalidade esmagada, esquecida. Toda a paixão é muda de explicações e reinventa-se na mais cega insanidade, alimenta-se sôfrega na loucura.
Depois? Perguntas incrédulo. É como uma droga de dependência incontrolável, destinada a uma morte lenta e sofrida. Sente-se a ausência a cada dia que se passa distante, num batuque perpétuo, incómodo, agressivo. Aquilo a que chamam vulgarmente de saudade, mas é ausência. Um buraco negro e fundo, sem vida.
Penso em ti, vezes demais. Vejo os contornos do teu rosto, o cheiro da tua pele e o sabor dos teus beijos perseguem-me, a memória das tuas mãos no meu corpo embriaga os meus sentidos. Posso dizer-te que faço amor contigo todos os dias, basta fechar os olhos um bocadinho. Viajo constantemente, para bem longe, e levo-te comigo.

21 novembro, 2011

Sentir



Nem sempre tocar é sentir.
Há sensações que transbordam o simples tacto.
Para sentir é preciso chegar mais perto, mais profundo. Explorar, lentamente, o caminho que conduz à entrega do interior do corpo. Percorre-lo sem pressa, procurando em cada recanto um pedaço de magia e encanto. Depois, tactear a pele suada de desejo, transpirando a cumplicidade.
Sente-se com a alma desamarrada de dúvidas e racionalidade.

17 novembro, 2011

Gosto



Gosto de laranjas secas, de chocolate de cacau muito amargo, de bolachas moles quase rançosas. De falar com perfeitos desconhecidos em qualquer lado, dos lugares sentada de costas no comboio, de dormir com os pés de fora mesmo no Inverno. De ler livros a saltar os capítulos, de ver filmes que já sei o final. De andar com folhas de árvores coladas no vidro do carro porque as acho lindas, de guardar pedras da rua e andar com elas em anarquia pelas malas ... E podia continuar...
Gosto de pensar que são estas as razões porque sou estranha, são fáceis de explicar.
Gosto de acordar com alguém a cantar no meu ouvido, com um sorriso rasgado no rosto e que me enfrente numa guerra de almofadas, que acabe no chão do quarto extasiado por me amar. Que me faça chorar a rir de coisas idiotas, que passeie comigo à beira mar e se sente na areia num final de tarde só para partilhar em silêncio o pôr-do-sol, ou beber uma bohémia e conversar. Que apanhe comigo umas bebedeiras de cair para o lado e no dia seguinte esteja ao meu lado a beber chá a rir. Que adore dançar as musicas mais estranhas e nos lugares mais mirabolantes e desadequados sem pensar no que os outros estão a pensar... Tanta coisa que gosto e que me esforço por não pensar.

15 novembro, 2011

Gaivota sem mar



Quanto sofre uma gaivota se lhe tirarem o mar?
Pergunto na ilusão de um olhar.
É uma sensação antiga, fala-se muito mas conversa-se tão pouco. São sinais sonoros acompanhados de movimentos dos músculos a boca. Sons, ruídos escuros, defuntos. Nadas, pronunciados sem pensar.
Há uma escassez das palavras conversadas em diálogos verdadeiramente sentidos. Abafadas pela torrente de palavras que se juntam em frases banais, estereotipadas, absurdas, ridículas. Chamam-lhe racionais. Não me interessa para nada o tempo, a economia, o dia de trabalho cinzento. E todos os assuntos vulgares.
São barulhos que perfuram o prazer dos sentidos, com a violência de quem nada tem para dizer, enquanto outros, escondidos num silêncio, têm tanto para nos dar.
É possível amar palavras estrangeiras que zumbem nos ouvidos, deslumbrando a alma, confusa, de quem nada tinha a esperar. Envolver-se nelas, como num abrigo clandestino, abraça-las e guarda-las no mais profundo de nós sem pensar. Sonha-las, quando só o sonho é permitido. Vivê-las até onde o diálogo nos levar.
É possível amar as palavras, as que nos assaltam o peito agitado, tornando monólogos em longas conversas por explorar. É possível, tão possível, que um dia acabamos por nos apaixonar por essas mesmas palavras insanas, vadias, que nos cruzaram a vida, romperam a rotina, com um simples dialogar.
Conversas que nos despem os corpos frágeis, beijam a pele sensível, numa intimidade que assusta porque queremos sempre mais e mais. E o vício é sufocante, a dependência mortal.
Para sobreviver, sofre-se, bastante.
Como uma gaivota a quem tiraram o mar.




10 novembro, 2011

Somos sozinhos


«Somos sozinhos com tudo o que amamos» Novalis.

Um corpo que se recolhe no silêncio do chão, a um canto os braços enlaçam as pernas e os olhos fecham-se para não ver. Rodeio-me de mim, como uma crisálida num casulo apertado. Quantas vezes caminho assim pela rua sem ninguém perceber. No mais íntimo dos medos, receio o contacto humano. Recuso viver. A realidade não basta, é vazia, deixa um buraco enorme que queima por dentro. Arde um fogo lento que se alastra, circunda e abafa o corpo dormente.
Aceno-te.
Estás no limite do horizonte (porque o que amamos está sempre lá, mesmo ao fundo).
Não te vejo, nunca te vejo, mas amo-te. Cada dia amo-te mais um pouco, de uma forma alucinante, numa dependência que não desejo ter. Sufoco cada gemido impotente de ausência, cada impossível que sei de cor. E ali mesmo, do meu canto, onde não espero nada da vida, nem a vida espera de mim. Espero apenas que estejas, do outro lado do horizonte. E, na mesma solidão que é não me teres, nem seres meu, me ames, desmesuradamente. Sem ninguém saber.


08 novembro, 2011

Sonho



E se fosse tudo um sonho? Se eu te disser que tu não existes?
Tu, tal como eu te quero e tenho. Tu não existes sem ser nos limites castradores do meu sonho impossível. Incorpóreo. Leviano. Sedutor.
Vagueio os olhos no horizonte vazio, imenso, numa espécie de sonambulismo e procuro encontrar-te pelo caminho entre juncos que me cercam, como um labirinto, a cada instante. Não quero saber do espaço gigante entre tu, eu e a vida. Quero apenas encontrar-te nessa minha fantasia sem escape, ou fuga possível. Quero-te em sonho por inteiro. Deitar-te a meu lado à deriva, despir-te de qualquer passado, envolver-te sem nada pelo meio. Entregar-me devagarinho, para que não me leves a alma no teu peito. Sim, quero-te nesse sonho invisível, isolado e intangível. Fundir-me em ti num ritual único de prazer e sensação. Colorido, brilhante.
E rasgo-me, impotente, no acordar constante e violento do sono que me conforta. Um despertar frio, incómodo. Uma angústia. Agonia. Dor.
Depois há novamente o sonho. Tu e eu, os dois, num universo longínquo, numa realidade distante.
Há um caos a que chamam vida e há a paz a que chamo sonho.

05 novembro, 2011

Cada segundo



Cada segundo que trago de ti faz-me sorrir.
Ainda que não perceba a razão, ou explicação. Ainda que me doa ter de partir naquela hora certa, me rasgue por dentro não saber onde vais ou quando voltas. Perder-me de ti.
Ainda assim, cada segundo, cada instante, é um pedaço de mundo nosso que guardo para mim.
E mesmo que ele derreta, no calor dos nossos corpos, se dissolva de desejo. Cada momento, cada beijo, vou guarda-lo doce no meu peito. E deixar a pele, arrepiada, transpirar lentamente o vício de ti.



04 novembro, 2011

Lágrimas salgadas


Porque eram salgadas, pensava que as lágrimas eram feitas de água do mar.
Por isso era lá que as derramava. Entre as ondas mais bravas, era lá que as largava rasgadas ao vento para, depois mais calma, prosseguir o seu caminho em paz.
Mas como eram salgadas, deixavam-lhe o sabor amargo na boca, ao escorrerem pelo rosto secando no canto dos lábios. Um sabor que se entranhava na pele, na língua, nos dentes, como se viesse bem de dentro, ainda mais salgado do que a água do mar.
Porque eram salgadas, as lágrimas que brotavam descontroladamente, atiradas ao mar, confundiam-se na espuma das aguas batidas, enfurecidas. Arrastavam-se nas correntes que invadia os rochedos e galgavam o muro que a distanciava do mar.
Indiferente ao frio e ao vento, pensou em entrar pelo mar dentro, para uma entrega total. Das lágrimas, que ocupavam todo o seu corpo, salgadas como a água do mar.



03 novembro, 2011

Amar um corpo



Nunca amei um corpo que não vi.
Para ama-lo precisei sempre de tempo e aproximação.
Num ritual diário. Como aprender a dançar, um passo, a seguir ao outro, em sintonia.
Para não estranha-lo e encaixa-lo suavemente no meu.
Precisei de vê-lo com os olhos, senti-lo com as mãos, os braços, a pele. Percorre-lo demoradamente com os lábios, saboreá-lo e sentir-lhe o odor.
Nunca amei um corpo que não conheci. A ausência é insuportável aos meus sentidos sedentos, insatisfeitos.
Mas só ao conhecer esse corpo que já amo - tacteando no escuro como se desbravasse insaciável um território novo deslumbrante - que posso ama-lo incondicionalmente, sem limites ou restrições.