31 dezembro, 2011

o resto




«Tu vives a tua vida e eu vivo a minha, e o resto vivemos juntos»

O que é "o resto"? perguntas.
O resto...
Para alguns, à primeira vista, "o resto" pode parecer tão pouco. Aquilo que sobra, que excede e não interessa.
Mas para outros, "o resto" pode significar tanto, diria mesmo tudo.
"O resto" és tu e eu, aqui, neste exacto momento, em que a distância não é capaz de separar o sentimento. A saudade não consegue sufocar o desejo de te querer mais e mais.
O meu resto és tu. Onde quer que te encontres neste imenso universo, é a memória da tua voz grave e calma que me embala, a sensação dos teus braços fortes que me seguram e abraçam, o sabor da tua saliva que se entranhou na minha boca e a alimenta. É a nossa fantasia que envolve cada segundo da minha vida. Esse doce e inebriante "resto".
Aquele espaço apertadinho, secreto, que criámos entre os dois, é "o resto".
O pedaço de arte que nos completa, a poesia que nos exprime, a melodia que nos eleva e prolonga no infinito.


27 dezembro, 2011

Voar




Passou por mim mais um ano, ou eu passei por ele sem reparar.
A vida vai passando apressada, eu continuo a vê-la lá fora. Ofuscante.Como se fosse um filme que já tivesse visto vezes sem conta, decorado todas as falas e gestos dos actores. Conheço de cor a banda sonora. Irritante, repetitiva, ensurdecedora. Afasto-me assustada.
Todos os meus extremos são redondos, deficientes, inadaptados. Impotente, embato na realidade de vidro baço e percebo, desolada, que não sei voar.
Recolho-me no casulo novamente.
Passou por mim mais um ano, ou eu passei por ele, de olhos fechados, sem reparar.

24 dezembro, 2011

Um doce Natal


(feitas por mim!)

De mim para vocês, com todo o amor, desejo-vos de um Natal docinho!

23 dezembro, 2011

Would you?



Would you?


Há pessoas que ficam em nós porque nos fazem, ou fizeram, amá-las brutalmente.
Homens, mulheres, seres vivos.
Algumas tivemos por horas apenas, minutos, até segundos. Mas ficam a planar eternas no tempo, em memórias e sensações.
Podia ser um traço físico, um corpo delineado ou escultural, um cabelo ondulado comprido, uns olhos grandes azuis, uma boca carnuda, ... mas toda essa beleza seria efémera.
O que nos faz realmente amar alguém é o levantar do sobrolho, o olhar penetrante, o sorriso rasgado, aquele andar tímido desajeitado, o cabelo despenteado por cortar, aquele abraço apertado que nos preenche o corpo, as palavras certas vindas na hora exacta...
É o “olá” que nos estremece, da voz que conseguimos distinguir a quilómetros de distância.
É aquele braço que nos rodeia os ombros fragilizados, os dedos que nos percorrem arrepiando as costas, a mão que afaga o nosso rosto até à boca e pergunta: “então?”
É o sussurro no nosso ouvido, seguido do beijo quente, louco, molhado que se desenrola pelo pescoço.
São as gargalhadas partilhadas naquelas conversas desarrumadas e sem sentido.
É aquele ombro que nos ampara quando simplesmente não temos força para nos levantar.
É a música que nos canta baixinho ao ouvido em segredo, o corpo que se esfrega no nosso a dançar.
É a capacidade de nos fazer sorrir e esquecer do mundo, a saudade que nos aperta a alma na imprevisível ausência, quando “não está”.
É a vontade que temos de contemplar, estar perto, mesmo em silêncio, sem questionar.
Podia ser um traço físico, mas é muito mais...




22 dezembro, 2011

Espaço Amor


Há um espaço no mundo chamado Amor.
Não é um espaço grande, pelo contrário, é um espaço pequenino, de entrada estreita. Mas uma vez lá dentro, o conforto estende-se por todo o corpo, como se nos encaixássemos nele na perfeição. Completa-nos. Abriga-nos do frio, sacia a fome e a sede, afaga-nos o peito.
Nesse espaço mágico há o calor da voz que nos escuta e sussurra baixinho desabafos, loucuras e fantasias. E em suaves beijos, despe-nos lentamente e percorre-nos a pele sem receio. Não existe juízos, nem preconceitos. É um espaço virgem de medos, repleto de desejos.
Há esse espaço encantado chamado Amor. Num cruzamento escondido da vida, sem se perceber, duas almas perdidas entregam-se por inteiro, e os corpos confusos, ardem desassossegados de prazer.

18 dezembro, 2011

Palavras-escudo



Há certas palavras que me afastam.
Não é bem andar para trás (que eu não ando para trás), mas uma espécie de choque frontal numa barreira invisível que me pára, imobiliza como se entrasse num campo electromagnético. Sim, são palavras que parecem ficção cientifica. Vindas, de repente, do nada, produzem um efeito incalculável e incompreensível.
Nem sempre são palavras de sentido único, por vezes são um conjunto delas, organizadas de uma forma que me incomoda. Poderão chamar-lhe frases. Poderão considera-las inofensivas. Muitas são proferidas numa ingenuidade devastadora, que me arremessa para longe, atira-me distante. Engulo em seco, respiro fundo, fecho os olhos e volto a abri-los, para caminhar de novo.
Acredito que muitas dessas palavras-escudo são ditas sem intuito especifico, na maioria sem intuito nenhum. Mas, na minha insegurança irascível, condeno-as sem piedade, afasto-me com repulsa e desilusão.
Queria que os meus ouvidos fossem surdos dessas palavras, que se escudassem delas para não me ferirem.
E não ouvindo nada que me perturbasse, o corpo seguiria instintivamente em frente, livre e descalço por um caminho sem rumo.



15 dezembro, 2011

Voz de silêncio


Há uma voz de silêncio que me percorre o corpo adormecido. 
É um silêncio que fala através do olhar, do beijo ou de um abraço. 
Sinto-me bem em silêncio contigo, talvez porque me sinto verdadeiramente "contigo" e sinto-te "comigo". 
É um silêncio transparente. 
Há uma intimidade enorme no nosso silêncio que me aconchega a alma, como se a acariciasse de mansinho. Podia ficar a noite inteira deitada nesse silêncio. Sentir apenas a tua respiração rente ao meu pescoço, ter a companhia dos teus braços. 
Nesse silêncio escondido, a tua voz ecoa profunda e macia dentro do meu peito, acalma-me e aquece-me sentir-te perto. E é nessa entrega, surda e muda, que o frio, a sede e a fome desaparecem.

12 dezembro, 2011

Caminho


És o longo caminho que percorro, sem saber se regresso.
Sem saber sequer onde me leva, ou o destino que me espera.
Ainda assim, caminho sempre sem hesitar. Transpondo a chuva e o vento, seguindo, alheia a tudo o que me rodeia, há apenas uma direcção - em frente.
Caminho sem parar. Por vezes corro, de olhos abertos ou fechados, não me importa o rumo, não me assusta o silêncio. Porque há neste caminhar errático, viciado, um conforto ou alento. Como se, na surdez do escuro, uma voz chamasse por mim em segredo. "Doce", chama-me doce, numa voz grave e calma. Pressinto-a de repente dentro de mim, tão íntima, e acredito que está perto.
É nessa altura que corro desenfreada para alcançar o calor do seu corpo, o aconchego do seu peito. Mas a voz foge-me escorregadia, movediça, por este caminho interminável, a voz vadia de lugar certo. E com a sua ausência e inconstância, ela tortura-me, dilacera-me.
É nesse instante abandonado que a sinto novamente longe, distante, quando a pensava tão perto.
Uma voz mágica, encantadora, que alimenta o sonho, a fantasia e o desejo.
Um caminho longo, sinuoso, que percorro cega sem regresso.



09 dezembro, 2011

Frio de ti



Tenho medo do nosso Inverno.
Do vento gelado que rasga o rosto, da chuva que se entranha no corpo débil,
toda a sensação de melancolia, de vazio.

Recordo, com nostalgia, o fogo que nasceu no Verão, ardeu intenso no Outono ameno e que, a qualquer momento, sem percebermos, pode-se extinguir no frio do Inverno.

Tenho medo do nosso Inverno.
De perder o calor do nosso encontro, dos corpos despidos de segredos entregues na areia à beira-mar. Tenho medo de me perder de ti, de te perderes de mim. E na distância, vivermos sufocados por tudo o que poderia ter sido e não foi.

Não sei se por nasceres em mim no Verão, me incendeias. Como uma chama que arde de mansinho no meu peito, alimentada pelo calor das palavras com que me vicias e confortas. Entre nós há uma fogueira acesa hipnotizante. Soltam-se labaredas perigosas quando me envolves num beijo e atiças em loucura tudo o que não vivi. Acho que é isso: aqueces-me.
Tenho frio de ti.


07 dezembro, 2011

O Toque

do Nanowrimo 



Não basta tocar para sentir, é preciso amarrar os olhos e soltar a alma para deixar a pele transpor a barreira do óbvio e encontrar a verdadeira sensibilidade. Sentir é a única forma de estar vivo.
(...)
Numa parede junto ao pianista encontrava-se uma tela quadrada, talvez 90x90cm, com traços e relevos irregulares. “Provavelmente uma mistura de técnicas”, pensei sem dizer uma palavra. À primeira vista parecia-me um jogo de sombras abstracto.
- O que vês? – Os seus olhos brilhavam por detrás dos óculos finos de armação de metal.
- Ahh… - Hesitei nervosa como se estivesse de repente numa prova oral - Não sei bem…
- Não tenhas pressa, podes tocar.
Fugiu para trás de mim, tapou-me os olhos com uma mão e com a outra agarrou-me na mão esquerda conduzindo-a de encontro à tela.
A pele suave das suas mãos nos meus olhos fechados contrastava com a mistura de rugosos, granulados e pinceladas lisas da tela. Tacteava, ondulando com a mão dele por cima da minha percorrendo toda a tela. Tudo aquilo, o inesperado e imprevisível da situação, acelerou-me o peito entre a confusão e o medo.
- O que viste? – Perguntou novamente, destapando-me os olhos e largando-me a mão.
Como se os meus olhos vendados vissem através das minhas mão.
- Pele - saiu-me assim sem pensar - pele suave.
Contemplou-me com um ar sério por minutos que pareceram eternos. Finalmente as feições dele assumiram um sorriso meigo, com umas covinhas no rosto que lhe conferiam um ar engraçado.
- É isso mesmo. São vários corpos entrelaçados, vestidos apenas de pele.
Respirei, num misto de alívio e estupefacção, com a minha súbita sabedoria no campo da pintura.
Voltámos para a mesa e ele explicou-me que os relevos permitiam dar forma aos corpos, transmitindo intensidade aos que estariam em movimento ou agitados. Perguntei-lhe ainda porque eram peles despidas, qual era o significado. Tirou os óculos, colocando-os em cima da mesa.
- Porque a roupa é uma barreira a qualquer forma de sentir. Por exemplo, consegues sentir o gelo assim? – Esbarrou um cubo de gelo que tirara do seu copo por cima do meu pullover com uma camisa por baixo.
Abanei a cabeça, confirmando o que dizia. Quando de repente ele se debruçou sobre a mesa e atirou o cubo para dentro da minha camisa fazendo-me levantar num salto.
- És louco! – Guinchei entre o irritada e espantada.
- Reagiste, vês? – Sorria – Só a pele permite sentir, conhecer algo na realidade.



05 dezembro, 2011

Sorrir



Sinto quase um dever de sorrir. Sorrir sempre. 
Mesmo que me envolva um vazio imenso, cinzento, ainda que a incompreensão se instale no mais íntimo de mim, de tal forma torne a minha visão turva incapaz de distinguir a realidade do sonho. 
Sorrir é uma espécie de escudo que carrego, é a concha onde me recolho para não sentir a erosão do tempo, das impossibilidades que ferem como flechas disparadas do céu. 
Num sorriso carrego o alento do meu mundo sonhado e, inebriada nele, esmago tudo aquilo que não quero sentir. As dúvidas, as incertezas, as desilusões. Todas diluídas num rasgar de lábios que se basta a si próprio. Capaz de segurar o corpo trémulo contra as intempéries que o sacodem no ar. Rasgam-se os lábios, num movimento  ritmado, cíclico, previsível. Quase tão natural como respirar. 
Sempre que morres, morro também mais um pouco. Ainda sim, o sorriso sobrevive, sempre, porque eu mereço sorrir.



Não dá




«Não dá» disse-lhe por entre frases desconexas, desencontradas e sem sentido.
O quê? Ela não sabe, nem perguntou. Ele também não. Nem porquê ou como. Mas disse-o.
Soltou-se entre frases perdidas. Ambos sabem que os caminhos por onde andam não se irão cruzar mais. Que o mundo gira para o lado contrário sem parar e um vento forte os afasta.
E tudo se resume num «como estás?», e uma resposta evasiva simultânea «não muito bem». Um silêncio profundo, dorido, incapaz de ir além.
Seguem-se frases a jorrar palavras sem sentido. É preciso gritar estas palavras ocas até que os ouvidos doam e rasguem a pele. Fingir o impossível, na impotência de tudo o que se quer e não se tem.
«Temos de falar» disse-lhe num turbilhão de emoções tanto tempo contidas, prestes a explodir.
Falar de quê? Para quê? Pergunta-se na imensidão de vazio que lhe deixou, no silêncio abrupto onde a encarcerou sem explicação.
Porquê agora? Hoje? Neste momento?
Agride-a, certeiro com uma pedra na cabeça. E, ainda em transe, tudo à volta treme, o chão foge, por momentos perde a direcção.
«Um tempo», ela tinha pedido, lembra-se, um tempo de vida que ele não esperou.
«Não dá» zumbe-lhe aos ouvidos como se fosse a resposta ao seu pedido, aquela que tardou. Abrasiva, chega-lhe agora aos ouvidos desprevenidos, arranha-lhe a alma moribunda e suga-lhe uma réstia de vida do corpo que resvala, pelo abismo, sem precaução.


30 novembro, 2011

Chegar a ti



Digo para mim que talvez seja uma questão de altura.
Nem sempre estamos no mesmo patamar. Tu és alto, eu sou baixa. Há cerca de dois palmos de centímetros que nos separam. Dois palmos que fazem toda a diferença.

Por vezes olhar para cima causa tonturas e náuseas. Acredito que olhar para baixo provoque vertigens assustadoras. Digo que é mesmo assim, é uma questão de nivelamento. Tu não me vês, eu não te vejo.

Eu nem sempre aguento estar de bicos de pés para acompanhar os teus olhos. Compreender-te, ver o mesmo que tu, do teu ponto de vista, o teu ângulo.
Tu nunca experimentaste baixar-te, ver as coisas daqui. São diferentes sabias? Mas nunca sequer tentaste. É tão mais fácil esperar que alguém chegue a ti, te mime e te ame.

Aí do alto onde vives, é um mundo de sedução, completamente novo para mim. Subo-te sequiosa, ramo a ramo. Sou eu sempre que subo, sou também eu que me arranho. Ainda assim, nunca digo «não» e aceito cada desafio de subida que alcanço.
Chego ao alto do precipício, limpo o sangue das feridas e deixo-me possuir pelo encantamento do teu beijo. Ainda que as pernas me tremam de cansaço e exista uma dormência permanente, como se estivesse em pontas o dia inteiro. Eu aguento. Tenho aguentado sempre, as tuas horas vagas, os caprichos e ensejos.
É assim que chego a ti, com dificuldade, não nego. Porque sabes-me a vida, o sabor ácido do desejo.





29 novembro, 2011

Eu salto!



- Eu salto! E tu?
No final é tudo um desafio.
Quem vai ter coragem de saltar? Será que um vai sentir medo naquele segundo, vai hesitar?
- Eu salto! - Repetia com o trepidar da adrenalina a pulsar nas veias - Nem que feche os olhos, eu quero saltar!

Toda uma vida decidida num único salto. Lá em baixo um abismo enorme, infindável, era o paraíso sonhado, pronto para os abraçar. Enquanto o seu corpo ao vento, lá no alto, assustado e impaciente, ansiava voar.
Olhava para ele nos olhos fixamente, com aquela força que move rochedos, com a certeza, tão incerta, de que ele a iria acompanhar. Ele saltaria com ela, convencia-se, torcendo-se de pânico por dentro. Ainda assim, preparava-se determinada, chegava-se para a frente com cuidado, e respirava fundo para se mentalizar.

Era «o» salto, o único que podia dar. Um mergulho de cabeça, no escuro imprevisível. No prazer do momento, não imaginava sequer onde iria aterrar.
Mesmo assim arriscava tudo por aquele momento mágico. Um salto a dois, cúmplice do destino, não existiria nesta vida outra oportunidade igual.
Pediu-lhe para saltar de mãos dadas. Chegou-se o seu corpo quente para junto dele e sussurrou-lhe baixinho para nunca a deixar escapar.

No final é tudo um desafio.
Os desejos são os mesmos, mas a capacidade de cada um é diferente para os realizar.
Ela saltou, de olhos fechados, para o vazio imenso. Ele soltou-lhe a mão, não conseguiu saltar.

25 novembro, 2011

Flauta mágica



Há vozes que nos encantam como uma flauta mágica. Numa espécie de hipnose acalmam o espirito e transportam a nossa alma.

Acabava sempre por voltar aquele lugar. Enterrava os pés na areia e ainda sentia o coração a pulsar dentro das veias. Eram segundos em que acreditava que iria encontrar-lo. Segundos desconexos. Envoltos numa grande névoa de delírio. A loucura de o procurar. «Onde estás?» Não sabia. «Sei que não estás aqui» repetia para mim em solidão.
Ainda assim eu voltava sempre. Enquanto os meus pés soubessem o caminho e o corpo dormente me arrastasse para aquele lugar.
Olhava o mar revolto. As ondas de espuma a baterem iradas nas rochas. Assim fomos nós outrora. Dois seres rebeldes, ingénuos a vaguear.
«Foste tu? Ou fui eu?» Pergunto-me constantemente. Mas que importa agora? Perdemo-nos um do outro. Nunca nos soubemos manter ou fixar .
Como as marés vivas de Setembro, a voz dele tinha explodido no meu corpo um desejo estranho e intenso numa espécie de encantamento. O impossível, o improvável. Apaixonei-me de repente, sem notar. A forma como me sussurrava ao ouvido as loucuras que gostava de inventar, encarnava as minhas fantasias mais escondidas e fazia-me sonhar. Abriu o seu mundo desequilibrado e utópico que eu passei a amar. Fui espreitando devagarinho, a medo. Deslumbrando-me com o poder da melodia das palavras roucas que cantava, que não permitia pensar em mais nada, numa entrega visceral. Depois fechou-o outra vez, de repente, sem me avisar.
Hoje sinto-me aquele mar revolto, agitado que bate violento de encontro às rochas, que tento em vão derrubar. Sei que anda à deriva por aí, em qualquer canto do mundo, sozinho, distante. Que voltará um dia, talvez, mais calmo, mais reprimido por tudo o que a idade o obrigará a passar. Entre nós poderá ainda existir um beijo, um abraço, um olhar. Por agora, o mar bate nas rochas, vai e volta em boomerang. Assim é o desejo que tenho de encontra-lo. Inconstante. Insatisfeito. Poderoso. Como as músicas que me cantava ao ouvido, recordo-as repetidamente, sem conseguir parar.
NaNoWriMo :)

22 novembro, 2011

Loucura e Paixão


A loucura e a paixão andam de braços dados.
Não sei se uma chega primeiro do que a outra, se é uma que leva à outra ou se, simplesmente, atravessam por destino uma estrada encantada num qualquer cruzamento da vida.
Sei que se abraçam instintivamente e não se estranham. Entranham-se. Fundem-se numa mistura explosiva.
Toda a loucura tem o fogo da paixão a queimar violentamente a racionalidade esmagada, esquecida. Toda a paixão é muda de explicações e reinventa-se na mais cega insanidade, alimenta-se sôfrega na loucura.
Depois? Perguntas incrédulo. É como uma droga de dependência incontrolável, destinada a uma morte lenta e sofrida. Sente-se a ausência a cada dia que se passa distante, num batuque perpétuo, incómodo, agressivo. Aquilo a que chamam vulgarmente de saudade, mas é ausência. Um buraco negro e fundo, sem vida.
Penso em ti, vezes demais. Vejo os contornos do teu rosto, o cheiro da tua pele e o sabor dos teus beijos perseguem-me, a memória das tuas mãos no meu corpo embriaga os meus sentidos. Posso dizer-te que faço amor contigo todos os dias, basta fechar os olhos um bocadinho. Viajo constantemente, para bem longe, e levo-te comigo.

21 novembro, 2011

Sentir



Nem sempre tocar é sentir.
Há sensações que transbordam o simples tacto.
Para sentir é preciso chegar mais perto, mais profundo. Explorar, lentamente, o caminho que conduz à entrega do interior do corpo. Percorre-lo sem pressa, procurando em cada recanto um pedaço de magia e encanto. Depois, tactear a pele suada de desejo, transpirando a cumplicidade.
Sente-se com a alma desamarrada de dúvidas e racionalidade.

17 novembro, 2011

Gosto



Gosto de laranjas secas, de chocolate de cacau muito amargo, de bolachas moles quase rançosas. De falar com perfeitos desconhecidos em qualquer lado, dos lugares sentada de costas no comboio, de dormir com os pés de fora mesmo no Inverno. De ler livros a saltar os capítulos, de ver filmes que já sei o final. De andar com folhas de árvores coladas no vidro do carro porque as acho lindas, de guardar pedras da rua e andar com elas em anarquia pelas malas ... E podia continuar...
Gosto de pensar que são estas as razões porque sou estranha, são fáceis de explicar.
Gosto de acordar com alguém a cantar no meu ouvido, com um sorriso rasgado no rosto e que me enfrente numa guerra de almofadas, que acabe no chão do quarto extasiado por me amar. Que me faça chorar a rir de coisas idiotas, que passeie comigo à beira mar e se sente na areia num final de tarde só para partilhar em silêncio o pôr-do-sol, ou beber uma bohémia e conversar. Que apanhe comigo umas bebedeiras de cair para o lado e no dia seguinte esteja ao meu lado a beber chá a rir. Que adore dançar as musicas mais estranhas e nos lugares mais mirabolantes e desadequados sem pensar no que os outros estão a pensar... Tanta coisa que gosto e que me esforço por não pensar.

15 novembro, 2011

Gaivota sem mar



Quanto sofre uma gaivota se lhe tirarem o mar?
Pergunto na ilusão de um olhar.
É uma sensação antiga, fala-se muito mas conversa-se tão pouco. São sinais sonoros acompanhados de movimentos dos músculos a boca. Sons, ruídos escuros, defuntos. Nadas, pronunciados sem pensar.
Há uma escassez das palavras conversadas em diálogos verdadeiramente sentidos. Abafadas pela torrente de palavras que se juntam em frases banais, estereotipadas, absurdas, ridículas. Chamam-lhe racionais. Não me interessa para nada o tempo, a economia, o dia de trabalho cinzento. E todos os assuntos vulgares.
São barulhos que perfuram o prazer dos sentidos, com a violência de quem nada tem para dizer, enquanto outros, escondidos num silêncio, têm tanto para nos dar.
É possível amar palavras estrangeiras que zumbem nos ouvidos, deslumbrando a alma, confusa, de quem nada tinha a esperar. Envolver-se nelas, como num abrigo clandestino, abraça-las e guarda-las no mais profundo de nós sem pensar. Sonha-las, quando só o sonho é permitido. Vivê-las até onde o diálogo nos levar.
É possível amar as palavras, as que nos assaltam o peito agitado, tornando monólogos em longas conversas por explorar. É possível, tão possível, que um dia acabamos por nos apaixonar por essas mesmas palavras insanas, vadias, que nos cruzaram a vida, romperam a rotina, com um simples dialogar.
Conversas que nos despem os corpos frágeis, beijam a pele sensível, numa intimidade que assusta porque queremos sempre mais e mais. E o vício é sufocante, a dependência mortal.
Para sobreviver, sofre-se, bastante.
Como uma gaivota a quem tiraram o mar.




10 novembro, 2011

Somos sozinhos


«Somos sozinhos com tudo o que amamos» Novalis.

Um corpo que se recolhe no silêncio do chão, a um canto os braços enlaçam as pernas e os olhos fecham-se para não ver. Rodeio-me de mim, como uma crisálida num casulo apertado. Quantas vezes caminho assim pela rua sem ninguém perceber. No mais íntimo dos medos, receio o contacto humano. Recuso viver. A realidade não basta, é vazia, deixa um buraco enorme que queima por dentro. Arde um fogo lento que se alastra, circunda e abafa o corpo dormente.
Aceno-te.
Estás no limite do horizonte (porque o que amamos está sempre lá, mesmo ao fundo).
Não te vejo, nunca te vejo, mas amo-te. Cada dia amo-te mais um pouco, de uma forma alucinante, numa dependência que não desejo ter. Sufoco cada gemido impotente de ausência, cada impossível que sei de cor. E ali mesmo, do meu canto, onde não espero nada da vida, nem a vida espera de mim. Espero apenas que estejas, do outro lado do horizonte. E, na mesma solidão que é não me teres, nem seres meu, me ames, desmesuradamente. Sem ninguém saber.


08 novembro, 2011

Sonho



E se fosse tudo um sonho? Se eu te disser que tu não existes?
Tu, tal como eu te quero e tenho. Tu não existes sem ser nos limites castradores do meu sonho impossível. Incorpóreo. Leviano. Sedutor.
Vagueio os olhos no horizonte vazio, imenso, numa espécie de sonambulismo e procuro encontrar-te pelo caminho entre juncos que me cercam, como um labirinto, a cada instante. Não quero saber do espaço gigante entre tu, eu e a vida. Quero apenas encontrar-te nessa minha fantasia sem escape, ou fuga possível. Quero-te em sonho por inteiro. Deitar-te a meu lado à deriva, despir-te de qualquer passado, envolver-te sem nada pelo meio. Entregar-me devagarinho, para que não me leves a alma no teu peito. Sim, quero-te nesse sonho invisível, isolado e intangível. Fundir-me em ti num ritual único de prazer e sensação. Colorido, brilhante.
E rasgo-me, impotente, no acordar constante e violento do sono que me conforta. Um despertar frio, incómodo. Uma angústia. Agonia. Dor.
Depois há novamente o sonho. Tu e eu, os dois, num universo longínquo, numa realidade distante.
Há um caos a que chamam vida e há a paz a que chamo sonho.

05 novembro, 2011

Cada segundo



Cada segundo que trago de ti faz-me sorrir.
Ainda que não perceba a razão, ou explicação. Ainda que me doa ter de partir naquela hora certa, me rasgue por dentro não saber onde vais ou quando voltas. Perder-me de ti.
Ainda assim, cada segundo, cada instante, é um pedaço de mundo nosso que guardo para mim.
E mesmo que ele derreta, no calor dos nossos corpos, se dissolva de desejo. Cada momento, cada beijo, vou guarda-lo doce no meu peito. E deixar a pele, arrepiada, transpirar lentamente o vício de ti.



04 novembro, 2011

Lágrimas salgadas


Porque eram salgadas, pensava que as lágrimas eram feitas de água do mar.
Por isso era lá que as derramava. Entre as ondas mais bravas, era lá que as largava rasgadas ao vento para, depois mais calma, prosseguir o seu caminho em paz.
Mas como eram salgadas, deixavam-lhe o sabor amargo na boca, ao escorrerem pelo rosto secando no canto dos lábios. Um sabor que se entranhava na pele, na língua, nos dentes, como se viesse bem de dentro, ainda mais salgado do que a água do mar.
Porque eram salgadas, as lágrimas que brotavam descontroladamente, atiradas ao mar, confundiam-se na espuma das aguas batidas, enfurecidas. Arrastavam-se nas correntes que invadia os rochedos e galgavam o muro que a distanciava do mar.
Indiferente ao frio e ao vento, pensou em entrar pelo mar dentro, para uma entrega total. Das lágrimas, que ocupavam todo o seu corpo, salgadas como a água do mar.



03 novembro, 2011

Amar um corpo



Nunca amei um corpo que não vi.
Para ama-lo precisei sempre de tempo e aproximação.
Num ritual diário. Como aprender a dançar, um passo, a seguir ao outro, em sintonia.
Para não estranha-lo e encaixa-lo suavemente no meu.
Precisei de vê-lo com os olhos, senti-lo com as mãos, os braços, a pele. Percorre-lo demoradamente com os lábios, saboreá-lo e sentir-lhe o odor.
Nunca amei um corpo que não conheci. A ausência é insuportável aos meus sentidos sedentos, insatisfeitos.
Mas só ao conhecer esse corpo que já amo - tacteando no escuro como se desbravasse insaciável um território novo deslumbrante - que posso ama-lo incondicionalmente, sem limites ou restrições.


31 outubro, 2011

Tanto assim



Quando eu te amar tanto assim, quero perder a orientação.
Não quero saber do início, do meio ou do fim, Quero-te por inteiro. Sem roupa, nem embaraços, no silêncio do chão. Envolver-te no meu corpo sem medo, saborear-te selvagem, sem explicação.
Quando eu te amar tanto assim, não me interessa para nada a posição. Os lábios são o ponto de partida, para a viagem insana, disparada sem rumo ou direcção. Não sei quando volto, se chego de dia, ou de noite. Nem sei se chego, se permaneço em ti, prisioneira da sensação.
Quando um dia eu te amar tanto assim, vou perder o pé no mar agitado, vai fugir-me a terra da estrada, e será teu o que restar de mim.

28 outubro, 2011

O amor existe


Foi num dia de fuga, quando os olhos embaciavam com as lágrimas que lutavam por segurar, e a cabeça zumbia um barulho ensurdecer, de tal forma a impedia de ouvir o mar.
Era mais uma fuga impossível, ela sabia. Naquele labirinto gigante e sem saída. Mas em todas as fugas ela procurava, incansável, uma porta, uma janela, um rasgo de luz divina.
Acreditava, como um doente em fase terminal sem qualquer esperança de vida, acreditava cegamente, porque queria tanto sentir-se viva.
Foi num desses dias de fuga que descobriu, escrito do céu no seu telhado, "o amor existe". Como se fosse para ela esta mensagem, a resposta ao seu cepticismo.
Limpou o rosto das lágrimas que o vento arrastava e ficou ali parada, entre o espantada e maravilhada. Entre as lágrimas e o sorriso.
Aquela mensagem, ali pintada, deu-lhe a calma que precisava para enfrentar qualquer perigo. Amparou-a, com a delicadeza das palavras, pegou-a ao colo e deu-lhe abrigo. Como se um ser azul de outro planeta aterrasse ali para afagar-lhe o rosto, beijar-lhe a alma e abraça-la por um tempo indefinido. E o tempo perdurasse naquele instante mágico, arrancando-lhe o riso que já esquecia, envolvendo-a em lençóis de loucura e fantasia.
Ainda não encontrou a porta, ou uma passagem, nem tão pouco o caminho, mas acredita que vai encontra-lo um dia, do outro lado da estrada, no alto de uma montanha ou na outra ponta do mundo. Porque o amor existe.

Te echo de menos




«Te echo de menos

Yo no sé lo que siento...
Ni como, ni ¿por qué?
Lo que sé y es cierto,
es que de menos te echo.

Cuando mis ojos cierro
¡Sin tu luz desespero!
Cuando los abro y te veo
¡De alegría yo muero!

Cuando el viento me roba
el olor de tu perfume...
Me quedo sin vida.
Porque mi cuerpo
¡Sin tu olor no respira!

Cuando te huelo,
los más intensos aromas
mi alma deleitan.
Se hincha mi pecho,
¡No cabe en él tanta dicha!

Cuando no encuentro tu mano...
Ya mi piel nada siente.
Mi sentir se detiene,
porque todo es inerte.
¡Solo me queda la muerte!

Cuando unes tu mano a la mía
Y siento tu calor
Un fuego me recorre
Una explosión de alegría
Estalla en mi corazón.

¡Maldigo el tiempo
en que no estas junto a mi!
Cada segundo sin ti...
¡Es como una vida
eterna y maldita!

Un solo segundo a tu lado
es para mi, ¡Toda una vida!
¡Y te quiero a mi lado!
¡Cientos de miles,
millones de vidas!
Como dos en uno...
eternamente enredados.» 
Francisco Frade Parada

27 outubro, 2011

Espaço


Contigo, até debaixo de um chapéu de chuva o espaço é demasiado grande.
Mesmo que os teus braços envolvam as minhas costas e o teu corpo caminhe colado ao meu, lado a lado. Precisamos ainda de menos espaço.
Talvez bastasse o espaço de um só, se a entrega fosse possível.
Talvez os corpos tenham de desistir do espaço que cada um tem. Sem receio ou orgulho. Perder a noção da pertença, de posse, de território.
É esse espaço pequenino que preciso para estar contigo, abrigada da chuva que cai à volta, enquanto desbravamos a fórmula mágica da fusão.

25 outubro, 2011

Carta a quem nunca se esqueceu


Se pudesse escolher um momento da vida para parar o tempo,
escolhia as horas daquela noite que nos pertenceu.
Não o momento, tanto tempo depois, em que os corpos se entregaram,
sofridos em vez de sôfregos, confusos e destruídos.
Mas a noite virgem, mágica, em que se tocaram de dentro para fora,
tactearam no escuro, cheiraram-se, roçaram cada milímetro de pele,
aventureiros destemidos, como se aquele instante fosse o fim do mundo.
Se pudesse escolher um momento, seria essa noite embriagada nos teus braços,
não deixaria romper o dia, carrasco de sonhos impossíveis.
Viveria a vida toda nessa escuridão, numa cegueira voluntária, sem medo, sem nada,
numa tenda montada no meio do mato, desalojada, em qualquer canto do planeta.
Mas a teu lado, só queria estar a teu lado. À beira de uma estrada ou no cume de um precipício.
Em qualquer lugar, enrolada no teu corpo, nas tuas pernas compridas,
sentir a tua respiração no meu rosto, a voz quente nos meus ouvidos.
Alimentar-me dos beijos impregnados de álcool e tabaco, tudo teu eu queria.
Era esse o momento que eu eternizava, e vivia, repetidamente, dia após dia.



21 outubro, 2011

Atropelar



Amar é a capacidade de atropelar e ser atropelado por alguém.
Não ter medo da velocidade, do clima e do piso. Entrar em contra-mão, não respeitar os sinais proibidos e enfrentar todos os cruzamentos que nos apareçam pela frente sem hesitar.
Que amar seja isso mesmo - Cruzar. Sem pânico.
Atravessar de olhos vendados, confiar no instinto. Destruir as linhas rígidas, paralelas eternas que nunca se encontram, os traços contínuos, os separadores de cimento a meio...
Amar é o desafio constante nas veias, são transversais, de braços, de pernas, de desejo. Acidentes provocados com a sede de quem quer entregar-se, sem pensar, ou medo de não receber.
Amar é atropelar e deixar-se atropelar.Voluntariamente.

19 outubro, 2011

Saudade


Há uma dose de egoísmo na palavra "Saudade".
Essa doença que deixa o corpo em dormência, a visão turva e o raciocínio lento, gasto. Queremos ter, porque sentimos falta. E a garganta seca das palavras que não saem na hora certa. Orgulhosas, debatem-se e proclamam seguras "Boa Viagem" quando por dentro ecoam dolorosamente, "Vou ter tantas saudades".
Depois chegam, vitoriosas, as saudades arrebatadoras. Deitam-nos ao chão indiferentes ao nosso esforço inglório para as receber com calma, em vez de ansiedade. Apoderam-se do corpo, da mente e, num golpe fatal , acertam-nos no peito. Um arrepio, o medo, o desespero do que ainda nem foi e já nos rasga. O vicio é um bicho feio, corrosivo, um vírus nefasto.
«Bolas, vou ter saudades tuas, de ter-te todos os dias, um pouco que seja, estares aqui». Suspiro agitada. Questiono-me a todo o momento, onde estás? Quando voltas? Porque já sinto a tua falta...
Mas nada te pergunto, num silêncio tremido, solto apenas numa voz abafada "Boa Viagem".
Há uma dose, imensa, de orgulho... na palavra "Saudade".

18 outubro, 2011

Não consigo



Tu e eu. Éramos tão perto, esmagados um no outro. De tal forma não distinguia a tua pele da minha, o meu pensamento do teu. Como se o meu braço completasse o teu braço, a tua perna fosse o prolongamento da minha. Éramos assim um do outro, um no outro, um só, o mesmo. 
Um mundo só nosso despido de gente, uma nudez onde não cabia mais ninguém. Era assim que te abraçava, num diálogo mudo, aquele que só o olhar consegue estabelecer. Éramos tudo, o presente, o passado e o futuro. Ainda sonho-te, aqui comigo, envolto nas palavras com que me cobrias, as que nunca irão acontecer. Sim, ainda vagueio à deriva, como um sem-abrigo.
Há tanta coisa que te queria dizer. Mas não consigo.

17 outubro, 2011

E daí?



«Já escondi um amor com medo de perdê-lo, já perdi um amor por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!»
Clarice Lispector

14 outubro, 2011

Dás-me cor


Dás-me cor.
Na multidão que invade os dias, encontrar-te foi uma explosão de vida. Um arco-íris gigante, infinito. Uma aguarela colorida, uma tinta brilhante.
Para explicar, todas as palavras são pobres, minúsculas. Queria pintar-te, todo, da cabeça aos pés, para perceberes o sentido. Pincelar-te ao ouvido «vem ter comigo» e besuntar-me nas cores com que me preenches a pele, tinges o meu sorriso.
Invades-me o olhar abertamente e o meu corpo treme de aviso. Não te consigo esquecer, por um minuto que seja. Entranhaste-te nos meus poros, corres pelo circuito sanguíneo e tatuaste as cores no meu paladar, no olfacto, no ouvido. Pintaste-me na tua tela, a traços grossos de carinho e amor. E onde eu era preto e branco, agora transbordo cor.


12 outubro, 2011

Intervalo


É assim uma espécie de intervalo, num filme enorme e aborrecido, onde por vezes acabamos por dormitar.
Respira-se fundo e o sorriso aparece de repente no acender das luzes. Levanta-se da cadeira que nos amarra, estica-se as pernas libertas. Vai-se até lá fora para apanhar um pouco de ar. Tem-se sede, fome. Tem-se um tudo confuso, misturado que não sabemos explicar.
É mesmo assim, como num acordar de um sonho, todos os sentidos rejubilam de prazer ao encontrar-te. Enrolar o meu corpo no teu, misturar as minhas pernas nas tuas, sentir o fresco das nossas conversas como se fosse uma brisa do mar. Tocar-te. Tocares-me. Com os olhos, as mãos, os lábios. Por fim, matar a sede nos teus beijos, a fome nos teus abraços.
É assim, como uma espécie de intervalo, daqueles que ansiamos o filme todo e nos dilacera a alma quando acaba.

10 outubro, 2011

Rocha fria



O corpo deambulava mecanicamente, obedecendo aos movimentos involuntários. Arrastava-se. Ritmado. Um passo, depois outro, num avançar cego, por instinto. O olhar pousado na areia molhada, agora marcada pelas suas pegadas num areal virgem. A musica rasgava-lhe os ouvidos, impedindo as vozes de entrar. As outras e as suas. Muitas, demasiadas, gritavam sem parar. Procurava a paz do silêncio nos rochedos, no rebentar das ondas do mar. Não lhe apetecia falar. As palavras espetavam-lhe os ouvidos como alfinetes. Aquela rocha dura, fria, era onde se abrigava, como numa concha. Abraçada, protegida. O seu corpo encaixava-se nela por medida. O vento passava ao lado sem incomodar, o mar espreguiçava-se na sua frente enquanto o sol brincava às escondidas.


Sente, acha que é isso - sente. Porque vem de dentro. Uma amálgama de sensações doridas, de todas as decisões errantes com que constantemente se martiriza. Um emaranhado de dúvidas e contradições. Ali, todas elas sentadas naquele buraco da rocha fria, cercam, possuem, esmagam de dor. 

Vira-se de costas, sem hesitar. Era assim que se despedia de tudo o que deixava para trás, do que não podia ficar. Ao fundo, de olhos baços, ainda vislumbra o sorriso de um abraço, um beijo meigo apertado, o calor do corpo que a aqueceu. Aos poucos torna-se numa névoa indistinta, ou será a noite a escurecer, tudo acaba por desaparecer.

Esconde as lágrimas num rosto calejado, pálido. Os lábios comprimidos lutam por se controlar. Mas uma tempestade inevitável desabava na noite escura, quando sozinha permite-se chorar.



07 outubro, 2011

O momento


Que viver seja arriscar e não perder o momento. Abordar sem medo um estranho no meio da rua que nos desperte atenção, mesmo que não tenha qualquer explicação racional, e ousar conhece-lo, desbrava-lo, porque pode ser a pessoa da nossa vida e deixa-lo passar pode significar perde-lo para sempre.
Que o amor, aquela palavra mágica do dicionário, não seja apenas um sentimento.Não seja sequer a pessoa que ama ou quem é amado. Seja muito mais do que isso e, ao mesmo tempo, tão fugaz e frágil. Que o amor seja o pequeno espaço que existe entre duas pessoas, que elas conseguem suster entre os seus corpos com cumplicidade.Na tentativa de se partilharem, de se prolongarem um no outro.
É assim que para mim é viver.

Há quem sonhe comigo sem eu saber e me surpreenda com carinho assim de repente. Deixa-me um sorriso no rosto, o conforto que valeu a pena arriscar conhece-lo e a certeza que ainda existe muito de nós por partilhar e conhecer.






06 outubro, 2011

Como esquecer



«Como esquecer?
Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que faz para ficar? (…) As pessoas têm de morrer, os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?
Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. (...) É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou de coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de termina de lembra-lo. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doida, devidamente honrada. É uma dor que é preciso, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta magoa esta moínha, que nos despedaça o coração e que nos moí mesmo e que nos da cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos distrairmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos, amigos, livros e copos, pagam-se depois em conduídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. (…)
Para esquecer uma pessoa não há vias rápidas, não há suplentes, não há calmantes, ilhas nas Caraíbas, livros de poesia. Só há lembrança, dor e lentidão, com uns breves intervalos pelo meio para retomar o fôlego. (…)
Quando já é tarde para voltar atrás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar. Como é que se pode esquecer o que só se consegue lembrar!
Aí, está o sofrimento maior de todos. Aí está a maior das felicidades.»
Miguel Esteves Cardoso, in “Último Volume”

05 outubro, 2011

Simplesmente olhar




Gosto de enterrar os pés na areia e ficar sentada junto ao mar.
Prender os olhos no sol  e descer com ele até ao horizonte, pintar-me com as tonalidades que o céu me revela ao anoitecer. Gosto do momento, daquele instante só meu. Calmo e distante de qualquer realidade.  Procuro o sossego que acalme a incompreensão errante que me desgasta. Só sei ser assim, insatisfeita, incompleta, inconstante.
Mas entre mim e a vida não há meias-verdades. Não há espaço para planos, intenções premeditadas. Eu não jogo à defesa, nem ao ataque. Eu simplesmente não jogo - Eu amo. Sem pensar, sem medir. Sem comparar ou reclamar. Transbordo o que amo nos braços, nas pernas, nos olhos, nos lábios, nas mãos. A transparência é a minha maior fragilidade. Eu dispo-me de qualquer objecto de combate. Não sou um desafio para ninguém, nada tenho para descobrir ou fascinar. Porque sou tão simples e imprevisível como os meus actos, mas não sou nada mais do que isso. Entre mim e a vida não há nenhum mistério, sem ser essa minha vontade de enterrar os pés na areia e olhar o mar.



Poema Te olho nos Olhos

«Te olho nos olhos e você reclama
Que te olho muito profundamente.
Desculpa,
Tudo que vivi foi profundamente
Eu te ensinei quem sou
E você foi me tirando
Os espaços entre os abraços,
Guarda-me apenas uma fresta.
Eu que sempre fui livre,
Não importava o que os outros dissessem.
Até onde posso ir para te resgatar?
Reclama de mim, como se houvesse a possibilidade
De me inventar de novo.
Desculpa...se te olho profundamente,
Rente à pele
A ponto de ver seus ancestrais
Nos seus traços.
A ponto de ver a estrada
Muito antes dos seus passos.
Eu não vou separar as minhas vitórias
Dos meus fracassos!
Eu não vou renunciar a mim;
Nenhuma parte, nenhum pedaço do meu ser
Vibrante, errante, sujo, livre, quente.
Eu quero estar viva e permanecer
Te olhando profundamente."

04 outubro, 2011

Dependência


Há uma certa dependência na palavra "quero-te". Um veneno que vicia a vontade, amplia o desejo, atordoa a racionalidade. Há uma espécie de fraqueza em toda a palavra "saudade", há aperto, tristeza. O querer não sentir, a luta por fingir tudo o que não se sente. A negação. A inquietação com que se entrega a alma, a vontade acelerada, irada, impotente. O corpo que se debate, pele contra pele, ansioso. Há um abraço envolvente. Protege a fragilidade de quem se atira de cabeça. Um salto para o desconhecido, sem perguntas, nem direcção. Um mergulho sem colete nas marés vivas da paixão. Há um desistir que se anseia, porque a saudade mata, corrói, desgasta. Há a embriaguez de acreditar que o impossível se arrasta, transforma-se e vinga. Num movimento constante.É tudo sempre tão pouco, tão fugaz, insatisfeito.
Nunca o sonho é suficiente, ou a fantasia o bastante.

30 setembro, 2011

Bolhas de Ar



Foi despida que se entregou às águas encantadas que a abraçaram. Sentiu que era lá que encontraria a calma que desesperadamente procurava. Um mar imenso de água salgada, sereno de palavras, tão belo como infinito. Porque toda a beleza é, por si só, ilimitada.
Pensou em dar um único mergulho, para se refrescar do calor do Verão. Era apenas um ir e voltar fugaz. Por isso entrou nua de medo, mar dentro, desprotegida, despida de hesitação, sedenta de paz.
O mar foi arrefecendo o ardor das feridas gravadas na pele, curando-as com bondosa suavidade e atenção. O seu ritmo, tranquilizante, embalava-a, como por magia, entre carinho e paixão.
Sem notar, estava já longe da costa, rodeada da água salgada, perdida em alto mar. Não percebeu o que aconteceu, porquê, ou como foi ali parar. Apenas submergia o seu corpo frágil, não sabia se vivo ou morto, naufragado a flutuar.
Tentou esbracejar, em vão, assustada, quando percebeu que se estava a afastar. Sem fôlego não conseguia mais debater-se com as correntes que a arrastavam e puxavam para o fundo do mar. Num remoinho de dúvidas, apoderou-se dela uma espécie de paralisia que a impossibilitou de nadar. Deixou-se ir, pelos lábios da maresia que a percorriam sequiosos, impedindo-a de pensar. Daquela forma esdrúxula, imprevisível, intensa, apertava-lhe os pulmões violentamente, deixando de respirar.
Em águas profundas, encontra-se um corpo despojado, tão maravilhado quanto agitado, preso a uma rede de indecisões, sem saber se deve fugir ou ficar.
«tenho medo» sufoca entre espasmos de dor, soltando lágrimas aprisionadas em bolhas de ar.

27 setembro, 2011

Entre mim e a vida


É uma espécie de discussão, entre mim e a vida. Um diálogo surdo de incompreensão. Pergunto porque me sacode com raiva, quebra as asas com que me invento para voar. Do seu lado, apenas um rosto envidraçado com o perigo constante de estilhaçar. Frágil, escorregadio. O sabor da vida, uma mistura inebriante de contradições. Fragrâncias adocicadas, ludibriantes de ilusões.
Penso em ti. Absurdamente, penso em tudo o que não revelei. E sei, com toda a certeza que a incerteza contém, que queria ter-te agora aqui, neste preciso momento. Novamente, os teus braços quentes à minha volta, o cheiro da tua respiração. Entre gritos intensos de discórdia, deflagra incontrolável o desejo que controlo entre as mãos. Queima por dentro, jorra abundantemente, a loucura da imaginação.
A vida olha-me de frente, rejubila crueldade. Sabe que sofro inevitavelmente a dor da negação. Que mordo-me, rasgo-me por dentro, mas não assumo a dependência química onde aprisionaste a minha razão.
Penso em ti, com a calma a esvair-se nas veias, sangrando insatisfação. Não sei o quero, mas preciso sacudir-te da minha cabeça, vomitar-te do meu peito, transpirar o desejo insano que a sedução constrói.


22 setembro, 2011

E depois?

Deixaram a manhã acordar por cima dos seus corpos entrelaçados.
O sol abriu-lhes os olhos devagar. A noite passara por eles certamente. Apressada. Dissipada no sabor doce que lhes resta na boca, no odor da pele trespassada pelo que se possa inventar. A noite passara, certamente, sem qualquer um deles notar. Levou com ela o olhar cúmplice, de quem nunca se terá.
A manhã acordou-os, cansada, de tanto que a fizeram esperar.
Deveria ser noite, sempre, naquele abraço apertado
E depois? O depois podia esperar.



21 setembro, 2011

Apertado




De repente eras só tu e eu. Parados, imóveis.
Invadia-nos o silêncio cálido, queimava o ar que respirávamos um do outro a escassos centímetros. Um espaço apertado de hesitações.Olhares escorregadios pelo chão, na parede, prisioneiros sem fuga possível. Debatiam-se por esconder a cumplicidade das emoções. Fingiam-se, mutuamente.
Violentava-me o peito um desejo abrupto desconcertante, sem qualquer rumo ou explicação. E tudo à volta tornou-se uma espécie de névoa, um céu encoberto, acutilava-me a frio aquela estranha sensação.
De repente eras só tu e eu. Talvez fosse algo entre nós diferente, constrangedor. Não reconheci exactamente o porquê, a razão, senti-me perdida, paradoxalmente nervosa.Talvez o calor do dia embriagou a minha imaginação, viciada de insatisfação.
Passou-me pela cabeça beijar-te, provar os teus lábios e saboreá-los demoradamente, trinca-los levemente, percorrer a tua língua. Passou-me pela cabeça beijar-te, se soubesse que não pedirias justificação. Porque tudo é tingido a palavras asfixiantes de dúvidas e receios, em conjecturas absurdas sobre o depois?
O espaço era apertado. Entre nós, um palco suspenso de acção.

20 setembro, 2011

Fechar os olhos



Quero poder fechar meus olhos e imaginar alguém. E poder ter a absoluta certeza de que esse alguém, também pensa em mim quando fecha os olhos, que faço falta quando não estou por perto.
Mário Quintana