29 maio, 2012

Pssstt...


Pssstt, não abras os olhos.
Digo enquanto afago o teu rosto e sussurro-te ao ouvido "Bom dia Amor".
Sou eu quem te acorda assim, bem de mansinho. Percorro com a boca o teu pescoço, deslizo pela tua barba rala que me arranha. Subo desenfreada por ti acima, como num labirinto, onde te encontro sozinho, fugido do mundo. Perdidos, entre a magia do sonho, eu não te confundo. E espero, num golpe de sorte, que reajas ao meu toque, sem que a luz do dia agrida os nossos corpos aqui despidos de rotina. Amantes ébrios em momentos fugazes de desejo, incontrolado, insano. Percorro-te e beijo-te. Um beijo molhado, onde te seduzo e saboreio, trinco levemente o teu lábio, desenho-o suavemente com a língua. Quero-te agora, neste instante. Com a fome desvairada de um pedinte, anseio a tua pele quente, onde me encaixas, num puzzle de duas peças, perfeito. Puxas-me com firmeza as pernas nuas que te enlaçam, agarro-te com as mãos o rosto. Entre nós escorre saliva, arde suor entre os nossos corpos.
Pssstt, não abras os olhos.
Sente o aroma do desejo.




23 maio, 2012

Instante



Perguntas-me «quando?» E não tenho resposta. O tempo é uma medida ingrata, distorcida.
Digo-te «agora», «este instante», enquanto te perdes num labirinto escuro, numa espiral de contradições. Em círculos vives a cegueira do imprevisível, a ansiedade do querer e não poder. Perdes-te de juízo, dúvidas e complicações. Perdes-te e eu já não te encontro, não te vejo, não te desejo. No instante nosso que passou sem perceberes. No olhar que te despiu e fugiu de raspão, no toque da mão que arrepiou o corpo de prazer, no sorriso que te beija com timidez. Passou o nosso instante mais uma vez. E as perguntas persistem por entre o encaixe perfeito dos corpos que se descobrem num sonho, repetitivo, meu e teu. Surge sempre "o depois" que persegues sôfrego, como um muro alto que nos separa e afasta, onde embato estilhaçada e desisto de te procurar. Onde somos inevitavelmente dois. Perde-se o momento em que te quero, sempre o agora, neste instante. Afogado em perguntas que não respondo, não me perguntes, não me interessa, o que vem depois.


15 maio, 2012

É aqui


"É aqui que ficam as memórias", repetia enquanto os pés raspavam a terra barrenta em círculos.
Neste lugar abandonado, escondido do mundo, onde me encontro comigo. É para aqui que as trago, arrastadas, a ferros grossos e cordas firmes. Rasgam-me a pele fina que sangra agora em carne viva. 
É aqui que ficam, largadas neste banco esquecido, as recordações mais apetecidas. E aqui despeço-me delas, num abraço dos meus braços, afago o meu pescoço, mordo o lábio, percorro-o com a língua. Saboreio, por segundos de loucura, o desejo antigo de ter-te comigo. A tua voz surge de repente ao meu ouvido, arrepia-me, depois acalma-me. Deixo-me embalar embriagada numa espécie de sonambulismo. 
Acordo. Acordo sempre neste lugar perdido, um beco escuro no cemitério de risos. E sei que é este o lugar para abortar a insatisfação a frio, sem anestesia, fico por tempo indefinido.
É aqui que apago os momentos dolorosos de desejo amarrado e contido, por debaixo de uma lâmpada enferrujada e fundida. Onde não vejo absolutamente nada. Não preciso de qualquer sentido. É na escuridão de uma morte voluntária e premeditada, que jazem inquietas todas memórias do que é sonhado e não é vivido.




14 maio, 2012

Direcção

Há alturas em que, por mais voltas que se dê, todas as direcções significam o mesmo: longe.

11 maio, 2012

Luto



Talvez as nossas palavras estejam gastas. Ou perderam-se, umas das outras, num qualquer ponto do universo. Talvez tu já não tenhas nada para me dizer, apenas respostas fugazes, para me acalmar e satisfazer. Mas eu não quero respostas, nem mesmo às perguntas dispersas que faço. Porque nem são perguntas, são palavras soltas no ar, como se pensasse alto. Não são respostas que procuro, entre tudo o que te digo, preciso tão somente de conversar um bocado.
Hoje reconheço, vencida, a  morte das nossas palavras, cúmplices, que transbordavam vida. Entre a fantasia e a realidade. Amava as palavras que trocavas comigo, cada instante de segredo, cada momento de desassossego, cada soluço de verdade. Amava-te assim despido, no silêncio das certezas, que estavas tão perto de mim, tão dentro quanto a nossa vontade. Essa intimidade conversada, num discurso directo, sem juízos, regras, medos ou maldades. Do diálogo viciante um no outro, surgiu um silêncio de dúvidas e ambiguidades.
Hoje travo monólogos contigo, a que respondes somente, talvez por cortesia do que restou da amizade. Respondes somente, numa espécie de sacrifício, sem sentires necessidade. Respondes, mas as perguntas já não estão comigo. Não faço planos de aprisionamentos, as palavras são livres, o vento levará as minhas para onde sentirem o aconchego da cumplicidade.


06 maio, 2012

Instantes


Somos instantes. Pequenos, minúsculos. 
Somos o segundo. Um crepúsculo de tempo, de espaço. Arco-íris de emoções incertas num esboçar de riso do sol. Relâmpagos brilhantes, fugazes, em céu carregado de negro e lilás. 
Amamos intensamente. Mudamos. Crescemos. Esquecemos. Tudo é efémero, volátil. O que procuramos está num instante futuro ou passado. Nunca encontramos. O momento é ocasião e impasse. Vivemos a tela que pintamos sobre tintas ressequidas, sobre sombras esborratadas. E na transgressão do impossível, agarramos um rasgo de prazer momentâneo. Pincelamos a cores garridas o sangue da paixão que nos queima. Para no instante seguinte, em que a perseguimos, embatermos num muro alto, gigante. A queda no chão é um instante. Olhamos à volta e nada faz sentido, tudo é novo e diferente. Há a inevitáve partida, num corpo dorido de mudança. Confuso, talvez perdido. 
Não acredito no caminho contínuo, não confio na segurança. Em convenções e regras permanentes. Nós somos instantes.
Não me venham falar de verdade! Sou inteira aqui e agora. Tudo o resto é mistério. 


03 maio, 2012

Faz as malas!



Faz as malas! Fugimos hoje.
Ou esquece as malas, não precisamos delas para nada.
Fugimos só, com a roupa que temos no corpo.
Para onde? Não me interessa. Como? Também não. Apenas quero fugir, levantar voo sem rumo, largar-me ao vento sem destino, navegar sem direcção. Quero fugir desta vida, desta coisa nenhuma que falam por aqui. Diz-me tão pouco, e exige-me tanto, eu sou estranha nesta terra e só queria mesmo era... fugir.
Quero um lugar onde partilhe um vinho numa gargalhada, um abraço num acorde de viola, um beijo molhado que desliza numa dança e explode de paixão junto à lareira.
Vá, fugimos hoje!