23 julho, 2012

Memórias invisíveis

Hoje apetece-me sonhar contigo.
Com tudo o que não fizemos mas vivemos em palavras embriagadas de loucura. Talvez por encantamento, falámos tanto. Quase tudo. De tal forma que as palavras envenenadas, de tão sofregamente desejadas, preencheram-me de memórias invisíveis. De beijos sedentos, molhados, abraços despidos, corpos suados, tímidos gemidos. Só nós dois. Sem horas de partir, sem pressa, sem depois. Eternos fantasmas do tempo, em busca de abrigo. É assim que te lembro, do que não tive. Já é tarde, estou cansada. Vou fechar os olhos agora e levo-te comigo.

Espaço

Então está combinado. Ficamos eternamente os três. Assim, juntos, lado a lado. Tu ficas aí, eu fico aqui. Ele fica no meio. Sempre no meio, para ocupar o espaço. O espaço que não se mede em metros ou centímetros. É um espaço disforme. Escuro. Oco. Não sei se ele me assusta sempre que se instala no espaço entre nós de mansinho. Talvez já me tenha habituado a ele. À sua estranha companhia. Recebo-o sempre angustiada, para que depois ele me ampare com carinho. Lentamente abraço-o, limpo as lágrimas e sorrio. Deixo-me ficar assim, tão perto e tão distante, a contemplar o vazio. Eu deste lado, tu do outro. No meio, o silêncio que nos ocupa.

06 julho, 2012

Onde estão?

Onde estão as palavras quando não te vejo?
Pergunto se estarão escondidas num qualquer buraco do mundo. Um lugar inacessível, longínquo.
"Onde estão as palavras?" pergunto-me. E o silêncio, incómodo, tortura-me, arranca-me a pele a sangue frio, cobre-me de dor.

Há dias em que sonho. Sonho que sussurras baixinho. A tua respiração quente, como se estivesses mesmo junto às minhas costas, amparasses o meu corpo trémulo no escuro do vazio. Porque a ausência é sempre vazio, e o vazio, sempre escuro e profundo.
Sinto-te. Talvez seja esse o poder das palavras imaginadas. Ultrapassam a audição e envolvem nelas todos os outros sentidos.

É assim que me falas em tardes como esta. Encosto-me para trás e aperto os joelhos contra o peito. Olho em frente e vejo-te com a cegueira do costume. Nem sempre encontro as palavras, aquelas que me beijam o rosto molhado pelas lágrimas que correm até à boca,salgadas. Porque as lágrimas são sempre salgadas, e o teu beijo doce.

Por vezes encontro-as naquele barco que navega lá ao fundo à deriva,para trás e para a frente, sem rumo ou destino. "Perdidas" penso. As palavras estão perdidas. Não conseguem voltar a terra, encontrar-se comigo. Persigo-as desesperada com o olhar e penso se estarão apenas indecisas.Talvez confusas. É então que as chamo para se sentarem comigo neste banco de madeira ressequida, sozinho. São assim os bancos de rua, sempre sozinhos. Como as palavras que me chegam aos ouvidos. Carentes, pedintes. Geladas, procuram no meu colo abrigo. Por instinto abraço-as junto ao peito e deixo que o calor entre nós derreta a distância das lembranças.

As palavras vão então surgindo aos soluços, tímidas. Envoltas em sonhos e fantasias. Embarco nelas numa espécie de sonambulismo. Depois vejo-as partir novamente, angustiadas, devagar. Ao mesmo tempo que o sol funde-se no horizonte em mil e uma cores entre o laranja e o púrpura.

"Único" penso. "És único" digo.
Mas tu já não ouves e as palavras vagueiam dispersas na aragem fria do destino.
Partes, lentamente, e levas as palavras eternas contigo. Porque as partidas são sempre lentas, demasiado lentas. E o destino, corrosivo.