29 dezembro, 2024

Balanço da vida

 Sei que uma vida só não me basta para tudo o que sou. 

Não sei bem quanto tempo passou, nem como se mede o tempo que se espera e desespera nas voltas que damos no nosso sistema solar. Mas que importa o tempo. Os dias quentes, as noites frias, as longas madrugadas. Se os minutos escorregadios transformaram-se em horas apressadas, em dias velozes esquecidos no meio de meses empoeirados, em longos anos turbulentos de saudade. 

Ainda assim permaneceste intacto no meu peito. Sei que me trazes segura no teu. Com as nossas partilhas e fantasias guardadas. E aqui, do meu penhasco mais alto, nos dias calmos em que a neblina passa, sento-me ao fim da tarde e acredito que te vejo passar ao longe, no teu planeta distante. E ali sentada, converso contigo como antes. Sobre os nossos tudos e os nossos nadas, sobre as minhas realidades paralelas inventadas, sobre os múltiplos eus que convivem em mim, sobre as loucuras mais inebriantes e as nossas histórias imaginadas. Perco-me facilmente na nossa conversa pela madrugada.

Há contudo, em mim, um desgaste de sonhos perdidos pelo caminho voraz das desilusões que não consigo apagar. Não sei quanto tempo passou, nem quanto tempo me resta, neste balanço de vida que faço hoje aqui. Mas sei que uma vida só não me basta, nunca chegou, para tudo o que sou. E há tão pouco de mim no visível aos olhos dos demais. 

Aconchego a manta junto ao corpo e respiro fundo. Tu estás aí. Ouves-me. Eu estou aqui. Teremos sempre a madrugada.


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