25 novembro, 2011

Flauta mágica



Há vozes que nos encantam como uma flauta mágica. Numa espécie de hipnose acalmam o espirito e transportam a nossa alma.

Acabava sempre por voltar aquele lugar. Enterrava os pés na areia e ainda sentia o coração a pulsar dentro das veias. Eram segundos em que acreditava que iria encontrar-lo. Segundos desconexos. Envoltos numa grande névoa de delírio. A loucura de o procurar. «Onde estás?» Não sabia. «Sei que não estás aqui» repetia para mim em solidão.
Ainda assim eu voltava sempre. Enquanto os meus pés soubessem o caminho e o corpo dormente me arrastasse para aquele lugar.
Olhava o mar revolto. As ondas de espuma a baterem iradas nas rochas. Assim fomos nós outrora. Dois seres rebeldes, ingénuos a vaguear.
«Foste tu? Ou fui eu?» Pergunto-me constantemente. Mas que importa agora? Perdemo-nos um do outro. Nunca nos soubemos manter ou fixar .
Como as marés vivas de Setembro, a voz dele tinha explodido no meu corpo um desejo estranho e intenso numa espécie de encantamento. O impossível, o improvável. Apaixonei-me de repente, sem notar. A forma como me sussurrava ao ouvido as loucuras que gostava de inventar, encarnava as minhas fantasias mais escondidas e fazia-me sonhar. Abriu o seu mundo desequilibrado e utópico que eu passei a amar. Fui espreitando devagarinho, a medo. Deslumbrando-me com o poder da melodia das palavras roucas que cantava, que não permitia pensar em mais nada, numa entrega visceral. Depois fechou-o outra vez, de repente, sem me avisar.
Hoje sinto-me aquele mar revolto, agitado que bate violento de encontro às rochas, que tento em vão derrubar. Sei que anda à deriva por aí, em qualquer canto do mundo, sozinho, distante. Que voltará um dia, talvez, mais calmo, mais reprimido por tudo o que a idade o obrigará a passar. Entre nós poderá ainda existir um beijo, um abraço, um olhar. Por agora, o mar bate nas rochas, vai e volta em boomerang. Assim é o desejo que tenho de encontra-lo. Inconstante. Insatisfeito. Poderoso. Como as músicas que me cantava ao ouvido, recordo-as repetidamente, sem conseguir parar.
NaNoWriMo :)

2 comentários:

Anónimo disse...

É real.

Há vozes e pessoas que teem em nós uma capacidade tremenda, para o bem e para o mal.

São nossa fonte de energia e alegria mas às vezes, em simultâneo ou não, fonte de tristeza, ira e angustia reprimida.

A isto chamo viver.

sgar disse...

Vive-se, até dar! Neste caso não resultou mesmo... deixo-te mais um pouco de texto ;)

«Pedro escorregava como manteiga, nunca queria dar certezas de nada. A vida para ele era assim mesmo, na corda bamba, sem qualquer rede por baixo. E isto, sendo o que mais me seduzia nele, também era o que mais me angustiava. O imprevisível conferia à nossa relação uma adrenalina impressionante, mas também uma ansiedade medonha. Nunca sabia se podia contar com ele, se nesse dia ele me queria ver, se devia telefonar-lhe ou esperar pelo seu telefonema. E esta agonia matava-me lentamente. Tudo o que ele me dava era sempre pouco. Tornara-se um vício, a sua voz rouca e melada, rente ao meu pescoço. Como uma toxicodependente, sentia que queria sempre mais e mais, mas não lho podia demonstrar. Pedro era como um pássaro de rua, não suportava qualquer tipo de cativeiro.»