07 dezembro, 2011

O Toque

do Nanowrimo 



Não basta tocar para sentir, é preciso amarrar os olhos e soltar a alma para deixar a pele transpor a barreira do óbvio e encontrar a verdadeira sensibilidade. Sentir é a única forma de estar vivo.
(...)
Numa parede junto ao pianista encontrava-se uma tela quadrada, talvez 90x90cm, com traços e relevos irregulares. “Provavelmente uma mistura de técnicas”, pensei sem dizer uma palavra. À primeira vista parecia-me um jogo de sombras abstracto.
- O que vês? – Os seus olhos brilhavam por detrás dos óculos finos de armação de metal.
- Ahh… - Hesitei nervosa como se estivesse de repente numa prova oral - Não sei bem…
- Não tenhas pressa, podes tocar.
Fugiu para trás de mim, tapou-me os olhos com uma mão e com a outra agarrou-me na mão esquerda conduzindo-a de encontro à tela.
A pele suave das suas mãos nos meus olhos fechados contrastava com a mistura de rugosos, granulados e pinceladas lisas da tela. Tacteava, ondulando com a mão dele por cima da minha percorrendo toda a tela. Tudo aquilo, o inesperado e imprevisível da situação, acelerou-me o peito entre a confusão e o medo.
- O que viste? – Perguntou novamente, destapando-me os olhos e largando-me a mão.
Como se os meus olhos vendados vissem através das minhas mão.
- Pele - saiu-me assim sem pensar - pele suave.
Contemplou-me com um ar sério por minutos que pareceram eternos. Finalmente as feições dele assumiram um sorriso meigo, com umas covinhas no rosto que lhe conferiam um ar engraçado.
- É isso mesmo. São vários corpos entrelaçados, vestidos apenas de pele.
Respirei, num misto de alívio e estupefacção, com a minha súbita sabedoria no campo da pintura.
Voltámos para a mesa e ele explicou-me que os relevos permitiam dar forma aos corpos, transmitindo intensidade aos que estariam em movimento ou agitados. Perguntei-lhe ainda porque eram peles despidas, qual era o significado. Tirou os óculos, colocando-os em cima da mesa.
- Porque a roupa é uma barreira a qualquer forma de sentir. Por exemplo, consegues sentir o gelo assim? – Esbarrou um cubo de gelo que tirara do seu copo por cima do meu pullover com uma camisa por baixo.
Abanei a cabeça, confirmando o que dizia. Quando de repente ele se debruçou sobre a mesa e atirou o cubo para dentro da minha camisa fazendo-me levantar num salto.
- És louco! – Guinchei entre o irritada e espantada.
- Reagiste, vês? – Sorria – Só a pele permite sentir, conhecer algo na realidade.



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