25 julho, 2011

Do rés-do-chão ao 7º piso


Voltou atrás. Voltou porque se esqueceu da carteira em casa. Estava atrasado, estacionou apressado na garagem, como sempre fazia. Entrou no elevador, marcou o 8º para logo a seguir parar no rés-do-chão. Resmungou um som inaudível, numa expressão facial irritada que não pôde evitar. A porta abriu-se e a expressão dele mudou quando ela entrou.

De óculos escuros e lábios carnudos vermelhos, ela proferiu um «Bom dia»na sua voz enigmática. Embaraçado, perguntou-lhe o andar. Perguntou por perguntar, porque ele já sabia. «7º» respondeu-lhe, deslizando os óculos pelo cabelo. Fixaram-no nesse momento, os olhos castanhos-claros, delineados com um traço preto fino e pestanas alongadas. De tal forma penetraram-no que, por segundos, não teve reacção. «7º» voltou a repetir, ele estremeceu de repente e carregou no botão.

O elevador subiu e com ele o perfume doce que ela emanava. A um metro de distância, frente a frente, fugiram com o olhar inseguro. Ela para o espelho que acompanhava a parede do elevador, ele para o soalho escuro. Preparava-se para dizer algo protocolar, talvez falar do tempo ou de uma notícia do dia, quando um solavanco arrebatou o seu corpo para a frente num embate imprevisto. Os óculos dela caíram para o chão e ambos baixaram-se instintivamente. Baixaram-se e inevitavelmente as suas respirações rasparam-se, sentiram-se, misturaram-se. Um ar quente que enlouquecia, um perfume que libertava fantasia. Voltaram a subir, os corpos, e perceberam que estavam parados. No espaço, no tempo, nos segundos de um dia, o elevador não subia nem descia.

Carregaram nos botões todos, para descer, para subir, no alarme, mas nada dava sinal de vida, não se ouvia qualquer campainha. Também o telemóvel não tinha rede, nada funcionava, numa completa letargia. Estavam fechados, presos, num cubículo isolado do mundo, como se morressem e renascessem um no outro por magia.

Ela pousou a mala no chão encolhendo os ombros. «Estamos presos» disse-lhe despindo o casaco bege, deixando a descoberto os ombros finos. Ele percorria-lhe os gestos estranhamente agitado. O vestido de um tecido acetinado em tons rosa pálido, delineava-lhe o corpo perfeito «demasiado perfeito» pensava enquanto a percorria, parando no decote, com alguns botões por abotoar, mostrava atrevidamente o peito saliente, onde ele se perdeu a olhar.

«Sim, parece que estamos» respondeu-lhe ainda rouco.
As suas mãos transpiravam e o ar tornou-se de repente quente, um ardor que não sabia bem de onde vinha. Atirou também para o chão o casaco do fato, abriu o nó da gravata e desapertou o colarinho. E naquele instante demente, viu através do espelho as costas dela, o decote em V pronunciado mostrava aquilo que ela não trazia vestido. O sangue disparou a bombear-lhe o peito acelerado, enquanto ela olhava-o inocentemente, talvez mesmo impaciente. Nunca o tinha olhado daquela forma furtiva, de cima a baixo, como se esperasse algo mais do que dizia. «Então…esperamos?» perguntou na sua voz acetinada, e o tom sensual levou-o novamente para o seu vestido, por cima do joelho, de onde saiam as pernas longas e esguias, que terminavam num salto alto fino.

«Agora… não sei…» respondeu-lhe com a garganta seca e com a ânsia súbita de a possuir naquele mesmo instante. Matar ali aquela sede que o sufocava simultaneamente de desejo e agonia.

O espaço tornava-se cada vez mais apertado, ou eram os corpos que se aproximavam inconscientes. Os olhos não se descolavam, fundiam-se as retinas, numa amálgama desfocada de sentido. Perderam-se as vozes, perdeu-se o controlo, num assalto a que ambos se permitiram. Ele segurou-lhe o pescoço por baixo dos cabelos longos ondulados, ela puxou-lhe para cima a camisa. As unhas percorreram-lhe suavemente as costas suadas e o pudor era agora o seu inimigo vencido. As bocas já respiravam ofegantes, entregaram-se sequiosas as línguas. Os corpos ondulavam suados contra a parede, um contra o outro, de tal forma ritmada como se ele já a possuísse por entre a roupa, sentia-lhe o peito arrepiado por debaixo do vestido, saboreava-lhe na pele o perfume. Deslizou a mão pela perna, contornando a coxa e subindo o vestido até à cintura. Ela desapertava-lhe o cinto, enquanto recostava o pescoço para que ele a percorresse, com os lábios, faminto.

Num solavanco o mundo parou de girar e perceberam que o elevador começou a andar. E nesse instante sentiram o verdadeiro perigo. Primeiro desceram até à garagem sem parar, depois foi novamente subindo. Os dois corpos atirados para trás violentamente, compuseram as roupas amarrotadas, atordoados com o sucedido. O salvamento era agora, por ironia, um castigo. Inevitável e cruel, como o destino dos dois.

Parou no 7º piso e ela não olhou para trás, apenas tocou-lhe ao de leve com a mão, onde uma aliança barrava-lhe o caminho. Ele segurou-a por segundos dolorosos, como se perdesse parte de si, depois olhou a sua própria mão que a segurava, onde uma aliança como amarra, tinha o mesmo brilho.

4 comentários:

Anónimo disse...

Até tive que tirar a gravata;)
Eu escrevia outro fim, mas gostei, muito.
Beijinhos

sgar disse...

Estou receptiva a outra sugestões, faço outra versão do final, é só dizeres :)

BF disse...

As descrições estão cada vez melhores e mais trabalhadas. Valeu "a escrita criativa"!

ADOREI!
conseguimos imaginar na perfeição.

beijos mil

sgar disse...

Aiii amiga... mas tenho ainda muita dificuldade, preciso de mais cursos, e intensivossss, tipo um retiro again :)
beijosss